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'GNX', disco lançado de surpresa pelo rapper, muitas vezes parece extensão de disputa que foi um dos principais acontecimentos musicais de 2024; veja análise do g1. g1 analisa 'GNX', novo álbum de Kendrick LamarUma briga entre os rappers Drake e Kendrick Lamar foi um dos principais acontecimentos musicais de 2024. Na visão majoritária do público, o segundo saiu vencedor -- mas o que ele ganhou exatamente, além de alguns bons números?Ao longo do ano, os dois artistas -- titãs da música norte-americana -- trocaram ofensas e acusações em uma série de "diss tracks". Esse é um tipo de canção criado especialmente para insultar uma ou mais pessoas, de forma desbocada e quase sempre explícita. Presente em vários gêneros musicais, o formato ganhou destaque a partir dos anos de 1990, sobretudo no rap, por remontar a tradição oral das batalhas de hip hop.Drake vs. Kendrick Lamar: entenda treta de rappers que banaliza misoginia em músicas egocêntricasA história do estilo é repleta de "diss tracks" que revelam boas fofocas ou propõem reflexões. Em 2001, por exemplo, um conflito entre Nas e Jay-Z resultou em músicas cheias de insultos, que se tornaram icônicas por também analisarem, de forma crítica, temas como a autenticidade e a ética no mundo do rap. Kendrick Lamar na capa do álbum 'GNX', de 2024DivulgaçãoNão foi o caso no bate-boca entre Drake e Kendrick, uma batalha muito mais centrada nos egos inflados de dois homens competindo por atenção. Além de autocentradas, as letras ainda expõem certa misoginia: "Quando você coloca as mãos na sua garota, é legítima defesa porque ela é maior do que você?", canta Drake na "diss" "Family Matters", transformando uma acusação de agressão doméstica em deboche sobre o porte físico de Kendrick. Ainda assim, a confusão deu muita visibilidade a todos os envolvidos. E, para Kendrick, rendeu ótimos resultados comerciais. "Not Like Us", a "diss" final e matadora do rapper americano, acumulou recordes e chegou ao topo da parada musical americana. A maior prova de que ele vai bem no marketing é o convite para se apresentar no intervalo do Super Bowl em 2025 -- cobiçadíssimo por toda estrela pop.Discurso motivacionalSe na publicidade ele está voando, criativamente nem tanto: a briga com Drake refletiu de forma negativa no "GNX", álbum que Kendrick lançou de surpresa na última sexta-feira (22). Sem um eixo narrativo bem definido, como costuma acontecer em seus trabalhos, o disco acaba muitas vezes parecendo uma extensão da discussão. Já na primeira música, o rapper sai atirando em todo mundo que, ao menos na cabeça dele, ficou ao lado de Drake. Sobra até para Snoop Dogg. "Snoop postou 'Taylor Made', eu rezei para serem os brisadeiros", reclama em "Wacced Out Murals", citando uma "diss track" lançada pelo rival. Kendrick Lamar será atração principal do Super Bowl 2025Reprodução/InstagramKendrick também alfineta Lil Wayne, por ter lamentado estar fora do Super Bowl, e todos os outros nomes do rap, que não o parabenizaram pela escolha para o show do intervalo -- exceto Nas. Em geral, o tom das faixas é de autoafirmação. Ele quer provar que é o maior rapper em atividade e que é digno de tudo que conquistou. Em alguns momentos, porém, o discurso parece coisa de palestra motivacional.O exemplo mais claro é "Man at the Garden". Do alto de um pedestal moral, Kendrick se mostra orgulhoso do ambiente que construiu, com investimentos na bolsa, jatinho, casa de praia, estabilidade emocional e uma vida melhor para os seus filhos. "Eu mereço tudo isso", ele repete 22 vezes na letra, sobre uma batida lenta e crescente. Maior rapper em atividadeFrases de autoafirmação são pilares da música pop, mas Kendrick Lamar nunca havia precisado disso. Ele é, de fato, o maior rapper em atividade (criativamente, está a léguas de distância de Drake, o que torna a disputa ainda mais sem sentido).Vindo de Comptom, na periferia de Los Angeles (EUA), Kendrick definiu os rumos de uma geração de rappers com o álbum "good kid, m.A.A.d City" (2012) e se consolidou no topo com o "To Pimp a Butterfly" (2015). Já foi premiado com 17 estatuetas do Grammy e, em 2018, se tornou o primeiro artista pop a receber um Pulitzer de música, pelo disco "Damn" (2017).O rapper Kendrick Lamar em show no Allianz Parque, em São PauloReprodução/InstagramO prêmio é mais um indício do que o torna tão especial diante dos pares: harmonias complexas, que colocam elementos do jazz no centro das batidas de hip hop, aliadas à poética imprevisível de suas músicas e a reflexões cheias de autocrítica. São pensamentos elaborados sobre defeitos, inseguranças e questões existenciais. Os melhores trabalhos do rapper têm um jeitinho de sessão de terapia. E é por isso que, na mensagem -- ainda tão infectada pela luta de egos com Drake --, o álbum novo parece tão pouco profundo na comparação com os anteriores. Claro que, sendo ele tão talentoso, nem tudo está perdido, muito longe disso. Para além da picuinha, o "GNX" é uma celebração ao rap da Costa Oeste dos Estados Unidos. As batidas trazem referências dessa região e, nas participações, o disco abre espaço pra nomes da nova geração de lá, incluindo o trio de rappers californianos Peysoh, Hitta J3 e YoungThreat, que integram a música título. No ponto mais alto, "Reincarnated", Kendrick usa um sample de Tupac para descrever os ciclos viciosos que prejudicaram as carreiras de artistas que o influenciaram. Ele aproveita para falar sobre como está conseguindo quebrar esse ciclo."Luther", até agora maior hit do álbum, é um R&B gravado com a cantora SZA, o tipo de pop gostoso de ouvir que rapidamente escala pela parada global de músicas. Importante mencionar que um dos produtores do "GNX" é o disputado Jack Antonoff, principal parceiro musical de Taylor Swift. Nas melodias, ele ajuda a criar a atmosfera palatável para receber as batidas funkeadas de Sounwave, produtor acostumado a trabalhar com Kendrick. Com esse tipo de escolha e por tudo que aconteceu em 2024, o bom desempenho comercial do disco é garantido, mesmo sendo este um dos mais fracos da carreira do rapper. Mas Kendrick ainda é Kendrick, e ele sempre foi mais do que bons números.