O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que acena a Jair Bolsonaro (PL) em busca de uma aliança para tentar se reeleger em 2024, diz que considera o ex-presidente um democrata e que "está caminhando" para receber o apoio dele, mas que ele não será seu padrinho na campanha.
"Essa coisa de depender de alguém para ficar conduzindo [não é comigo]. Eu vou contar minha história de vida", afirmou Nunes em entrevista à Folha de S.Paulo em seu gabinete, na quarta-feira (13/9).
Bolsonaro, no entanto, diz que o PL pode ter candidato próprio na corrida —hoje liderada pelo deputado federal Guilherme Boulos (PSOL). Como noticiou a coluna Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, o ex-presidente passou a defender que o partido lance um nome e só apoie Nunes em eventual segundo turno.
O prefeito, que tem 24% de intenções no Datafolha, ante 32% de Boulos, é o segundo a participar de uma série de entrevistas com os principais pré-candidatos.
PERGUNTA - Que fatores o sr., que entra na reta final do mandato, considera que justificam a sua reeleição?
RICARDO NUNES - Nós tivemos anos bastante difíceis na pandemia. Eu ia inaugurar uma escola e vocês [da imprensa] iam me entrevistar sobre vacina, leitos, mortes. Depois veio aquela eleição muito polarizada, Lula e Bolsonaro, Bolsonaro e Lula. Deixei de poder comunicar muita coisa por conta disso.
Mas, mesmo assim, a gente fez um trabalho importante para a cidade, que foi consolidar a saúde financeira. E é o pilar de tudo, porque você não vai conseguir fazer as coisas se não tiver isso.
Qual o nível de certeza de que o sr. terá o apoio do ex-presidente Bolsonaro?
R. N. - Certeza, eu não tenho. Eu gostaria de ter. O que vou fazer na campanha é mostrar aquilo que a gente fez. A eleição municipal não vai ter essa discussão de polêmica.
Mesmo se Bolsonaro estiver na sua campanha?
R. N. - Sim. Minha história é de ser uma pessoa que dialoga e governa para todos. Minhas ações e a composição do meu secretariado demonstram isso. A minha cabeça é de empresário, de "qual é o resultado?".
Na eleição passada, o Bruno [Covas] não tinha ninguém ali apadrinhando, tinha a história de vida dele. O João Doria, a mesma coisa. Essa coisa de depender de alguém para ficar conduzindo [não é comigo].
Não dá para falar que Bolsonaro vai ser um padrinho do sr. na campanha?
R. N. - Não, padrinho não. Eu quero apoio. Acho que está caminhando para que possa ter esse apoio. [Mas] padrinho, acho que nem a Marta Suplicy [é], nem o Bolsonaro. É um conjunto de pessoas que entendem que essa frente é importante contra o que a gente entende ser a extrema esquerda.
Como vê a ameaça dos bolsonaristas de lançarem um nome por considerarem que o sr. não será o candidato da direita?
R. N. - Eu não recebi ameaça. Pelo contrário. Vi uma entrevista do presidente do PL, o Valdemar [Costa Neto], falando da importância de dar continuidade ao apoio tanto ao nosso governo, do qual fazem parte, quanto à eleição. O presidente municipal declarou abertamente que quer que o PL esteja junto.
E o governador Tarcísio de Freitas [Republicanos], vai apoiá-lo?
R. N. - Ele publicamente nunca falou, mas também ninguém nunca perguntou para ele.
E para o sr. ele já falou?
R. N. - Não. Eu também não perguntei. O que ele fala é o seguinte: "Você vai ganhar, vai dar certo, precisamos continuar esse trabalho conjunto". Gosto muito dele, ele tem um estilo parecido com o meu. É um cara ponderado, focado, não é extremista.
Bolsonaro se tornou inelegível, é alvo de uma série de investigações, existe uma delação premiada [do ex-ajudante de ordens Mauro Cid] que pode atingi-lo. Como encara isso?
R. N. - Você está falando de um tema que eu não tenho conhecimento no detalhe do que é a investigação. Agora, o que eu percebi do presidente Bolsonaro sempre foi um posicionamento de seriedade, de não ser uma pessoa envolvida com coisas erradas, de ser uma pessoa correta.
Acho que é muito importante o apoio do presidente Bolsonaro, é fundamental. Tenho gratidão pelo que ele fez pela cidade. Ajudou muito na questão da negociação da dívida [do aeroporto Campo de Marte]. Mas o prefeito vou ser eu.
Bolsonaro é um democrata?
R. N. - Eu acho que sim. Se ele foi eleito deputado várias vezes, por que não seria?
Diante da forma como ele agiu no governo e de alguns temas que são alvo de investigação agora, como ameaça às eleições, críticas às urnas, tentativas diversas de insinuar golpismo, ameaçar ministros do Supremo, esse tipo de atitude. Isso cabe na imagem de um democrata?
R. N. - Pelo que vi dele, foi uma posição democrata. Não vejo nada que ele tenha feito contrário a isso. É um homem que foi pelo voto eleito deputado, se tornou presidente. Ou vocês vão querer negar o sistema democrático brasileiro. A gente pode gostar ou não, mas ele foi eleito.
O sr. sempre cita Bruno Covas, que repetia ser um radical de centro. É possível ser de centro, como o sr. se diz, e ao mesmo tempo ser aliado de Bolsonaro, que é tido como um político radicalizado?
R. N. - Olha, o prefeito sou eu. Dialoguei com o governo Bolsonaro, dialogo com o governo Lula. Enquanto vereador, dialogava muito com todos os vereadores de todos os partidos.
Isso [fazer alianças] é natural. O [Fernando] Haddad, na eleição de 2012, apesar de ser de esquerda, do PT, ele tinha uma apresentação como se fosse um candidato de centro. Conversou com a direita, e naquele momento o representante era o [Paulo] Maluf. Não existia a figura da liderança do Bolsonaro.
O Datafolha mostrou apoio ao sr. no eleitorado de baixa renda, grupo em que Lula é um cabo eleitoral forte. A sua posição pode ser ameaçada quando o presidente entrar na campanha de Boulos?
R. N. - Acho que não. Para mim, está claro que o eleitor vai discutir a cidade. Na eleição de 2020, o candidato do Lula [Jilmar Tatto] não foi bem. O do Bolsonaro [Celso Russomanno] não foi bem. Quem foi bem foi o Bruno, porque demonstrou o que estava fazendo pela cidade.
Eu verdadeiramente vim da periferia. Diferentemente de alguém que quis criar uma fake, eu morei no Parque Santo Antônio, estudei em escola pública, usei o postinho de saúde lá do meu bairro. Estamos com 1.300 obras hoje, a grande maioria na periferia. Então, é natural que o resultado venha. As pessoas se identificam comigo.
O que o sr. diz para o morador de São Paulo que tem críticas à gestão e está insatisfeito com a situação do centro, com as cracolândias e tantos outros problemas?
R. N. - Acho que tenho condição de poder enfrentar esses problemas de uma forma bastante diferenciada. Sei o que é ser classe média, sei o que é viver na periferia, fui vereador durante oito anos. É essa bagagem de vida que eu pude trazer.
Como isso responde ao problema da cracolândia?
R. N. - As coisas já estão melhores. Em 2015, eram 4.000 usuários. Hoje tem mil e poucas pessoas, mais de 2.000 em tratamento. O que a gente tem que fazer? Continuar insistindo e fazer ações para diminuir a oferta de crack lá, que é com a prisão de traficantes.
Qual é o custo-benefício da abordagem que espalha a cracolândia e gera efeitos colaterais como o fechamento de comércios?
R. N. - Então, [a cracolândia] é um problema de 30 anos. A gente teve que fazer algumas ações para permitir que os agentes de saúde e de assistência social e que as forças policiais pudessem entrar lá. Era necessário tirar aquele domínio da organização criminosa, acessar as pessoas e convencê-las ao tratamento.
Seus adversários dizem que o sr. mantém a verba de R$ 34,8 bilhões em caixa para usá-la com fins eleitoreiros. Como o sr. responde?
R. N. - Não tem um centavo em caixa parado. Todos os recursos estão rubricados, com uma destinação colocada dentro do plano de metas e das prioridades da administração.
O sr. está fazendo o maior programa de recapeamento da história sob ataque de movimentos de mobilidade, que argumentam que isso reproduz uma visão carrocêntrica. Como rebate essas críticas?
R. N. - Estamos fazendo investimentos, só na área de mobilidade, de uns R$ 4,6 bilhões. Há ações importantes de incentivo ao uso do transporte coletivo, além de agilizar a expansão do metrô e ampliar corredores de ônibus, faixas exclusivas e ciclovias. Em novembro, iniciamos o transporte hidroviário na [represa] Billings.
O que concretamente faz o sr. adjetivar seu rival Boulos como radical e de extrema esquerda?
R. N. - Tudo o que eu e todo mundo viu da história de vida dele. É uma pessoa que não dialoga com todos os setores. Eu nunca invadi nada de ninguém, nunca depredei nada de ninguém.
Na questão das políticas habitacionais, acho que está muito claro o que tenho feito. Assinei convênios com entidades para a construção de 14 mil unidades. São as entidades sérias de movimento de moradia que estão construindo.
O MTST [ao qual Boulos é ligado] está nessa lista?
R. N. - Não. Não porque a gente excluiu, mas porque eles não quiseram participar [dos convênios].
Um tema que surgiu no debate eleitoral é o gasto da atual gestão com publicidade, pelo fato de o sr. ser candidato à reeleição. Como justifica para o cidadão esse gasto?
R. N. - Não tem nada a ver. Todas as propagandas são de interesse da população, para comunicar campanhas públicas, por exemplo de vacinação, dengue, serviços, educação. Não é isso que vai mudar a questão do rumo eleitoral. Se isso mudasse, todo mundo que estava no governo ganhava [a reeleição].
Na questão da Sabesp, o sr. assinou o termo de adesão à URAE, o que foi visto como um passo rumo à privatização. Esse processo depende muito do sr., já que sem a capital o governador não conseguiria seguir adiante. O sr. é a favor da privatização?
R. N. - Não é que eu defenda a privatização, eu defendo aquilo que é o melhor serviço. Se a privatização trouxer redução de tarifa e a gente conseguir manter ou aumentar os investimentos, para a cidade de São Paulo é ótimo. A adesão à URAE não quer dizer que tenha relação com a privatização, que é uma outra etapa.
RAIO-X | RICARDO NUNES, 55
Empresário, é fundador da empresa Nikkey, do ramo de controle de pragas urbanas. Foi presidente da Aesul (Associação Empresarial da Região Sul) e fundou a Adesp (Associação das Empresas Controladoras de Pragas do Estado de São Paulo). Foi eleito vereador de São Paulo por dois mandatos (2013 a 2020). Em 2020, se elegeu como vice-prefeito na chapa de Bruno Covas (PSDB) e assumiu o cargo de prefeito após a morte do tucano, no ano seguinte
Estadão