O acidente do último sábado, quando um avião caiu sobre duas casas no Bairro Jardim Montanhês, reacendeu uma antiga discussão sobre a segurança do Aeroporto Carlos Prates e a rotina de medo e indignação dos moradores de seu entorno. Há mais de 70 anos em atividade, o terminal foi espremido pelo crescimento da Regional Noroeste e os acidentes aéreos motivam discussões recentes pelo fim das suas atividades.
Após os adiamentos, o impasse parece rumar, enfim, para uma solução definitiva e cria-se, então, nova discussão: o que fazer com a área do aeroporto? A aeronave que caiu no sábado era pilotada pelo oftalmologista José Luiz de Oliveira Filho, de 65 anos, que morreu depois de socorrido a um hospital, e a filha dele, Jéssica de Oliveira Carvalho, de 33, segue internada no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII. A aeronave acidentada foi retirada do local ontem.A tragédia aumenta uma lista que assusta moradores da região. Entre 2004 e 2020, foram houve 47 ocorrências relacionadas ao terminal, sendo sete acidentes, cinco mortos e seis feridos, segundo levantamento da Casa Comum, escola de formação política do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas.
O recorte histórico do levantamento para em 2020, ano em que a repercussão de duas quedas de avião na mesma rua do Bairro Caiçara, ocorridas em 2019 e que causaram quatro mortes, suscitou a pauta do fechamento do terminal. Em janeiro de 2021, o então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, publicou uma decisão que determinava que a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) encerraria as atividades no terminal até o fim daquele ano. A seis dias do prazo que determinava o fim da gestão da Infraero no aeroporto, a decisão foi adiada pelo Ministério da Infraestrutura até maio de 2022. À época, a Prefeitura de Belo Horizonte já manifestava interesse em assumir a operação do terminal e dar uma utilização social ao espaço, em comparação ao projeto federal de entregar a área para leilão imobiliário. Em abril de 2022, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) estendeu o prazo para janeiro de 2023. Em portaria publicada a dias do vencimento, novo adiamento determinou que a gestão federal do aeroporto fosse encerrada em 1º de abril deste ano. Nenhum dos adiamentos foi justificado nos documentos. No sábado, após mais um acidente com vítimas, Fuad Noman (PSD) foi incisivo ao anunciar que pretende municipalizar o terminal e mudar a destinação do terreno. “Não podemos mais permitir que acidentes assim aconteçam. Por isso, sigo com minha proposta de utilizar a área do aeroporto para construção de moradias, parques, escolas, centro de saúde e toda a infraestrutura urbana necessária para a população”, disse ele pelas redes sociais. Ontem, Noman se encontrou com o governador Romeu Zema (Novo) e o futuro do aeroporto foi colocado na pauta. O prefeito também aproveitou a visita do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) a Belo Horizonte para pedir apoio na cessão da área do terminal ao município. “Vou me dedicar à questão do Aeroporto Carlos Prates com projeto de moradia e um parque para a cidade”, disse o vice-presidente. Para a arquiteta urbanista e coordenadora da Casa Comum, Rachel Almeida, a municipalização é um sinal, ainda que incipiente, de que os moradores do entorno do aeroporto poderão ter dias mais tranquilos. “Certamente a gente acredita que a municipalização é o melhor caminho, mas qualquer projeto tem que ser coletivo e democrático. Não pode ser um projeto de gabinete ou que atenda exclusivamente a um interesse imobiliário”, avalia. Rachel Almeida conta que o Casa Comum foi convidado por moradores de bairros próximos ao aeroporto para produzir materiais e uma base argumentativa para que grupos locais sustentassem os pedidos de encerramento das atividades na área em audiência pública na Câmara dos Deputados, em dezembro de 2021. O resultado dos trabalhos levanta pontos importantes no planejamento para uso da área no futuro. Para ela, destinar a área a fundos imobiliários significaria adensar um local que já é muito populoso e que tem demanda por equipamentos culturais e ambientais não respondida pela estrutura atual da região. A arquiteta ressalta que os bairros da Regional Noroeste começaram a ser populados nos anos 1950 e têm hoje uma lógica residencial já consolidada, mas que precisa de investimentos em outros serviços urbanos. “Nós começamos a fazer esse diagnóstico do processo de ocupação dessa área, do patrimônio material e imaterial e do significado dessa paisagem urbana consolidada. Por tudo isso, temos que cuidar da destinação do aeroporto, uma área três vezes maior que a do Parque Municipal, por exemplo. Sabemos que não há condições de manter um parque do tamanho da área, mas tem de haver uma destinação multiuso, com habitação social, horta comunitária, espaços públicos de qualidade, espaços destinados a práticas cultural”, analisa. O levantamento realizado pelo Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas mostra que a Regional Noroeste tem a menor quantidade de áreas verdes da cidade e o aeroporto pode ser uma das últimas alternativas de criar um espaço desta natureza na região. Em 2020, a Mata dos Morcegos, penúltima grande área verde dos arredores, foi destinada à construção do estádio do Atlético.
Estadão