Especial para o EMA educação brasileira terá ano que vem pelo menos R$ 12 bilhões suplementares para tentar entrar de novo nos trilhos e garantir o funcionamento mínimo dos ensinos básico e superior. O montante havia sido pedido pela equipe de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a título de recomposição orçamentária para voltar aos valores de 2019.
Aprovado no Orçamento federal para 2023, ele é fruto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, o toma lá dá cá criado para fechar as contas de um governo que ainda nem começou.
A soma será adicionada aos R$ 147 bilhões que já haviam sido destinados ao Ministério da Educação (MEC) na Proposta de Lei Orçamentária enviada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL).
E deverá resolver questões primordiais, como merenda escolar, livros didáticos e o funcionamento das instituições da rede federal de ensino, que seguem no limbo da indefinição. Em Minas,
universidades ainda aguardam desbloqueio de verbas para fechar o ano no azul.
A proposta inicial da equipe de transição da área de educação era destinar metade dos R$ 12 bilhões para a rede federal de ensino. Segundo seus cálculos, só as universidades sob a tutela da União requerem algo em torno de R$ 5 bilhões adicionais, valores relativos apenas à manutenção, sem expansão incluída. Mas, o orçamento final lhes destinou R$ 2 bilhões.
“A primeira questão é rever a questão orçamentária, dar atenção a alguns programas que simplesmente acabaram, como os de extensão, e às bolsas da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) de mestrado e doutorado, que foram todas reduzidas. Há questões estratégicas do país sobre as quais precisamos avançar”, afirma um dos coordenadores-executivos da equipe de transição em educação, Luiz Cláudio Costa, ex-integrante do primeiro escalão do Ministério da Educação (MEC). Já para os institutos federais, a soma desejada passava de R$ 1 bilhão, mas eles receberão R$ 788 milhões.
Impactos entre as pesquisas
No que se refere à Capes, a equipe propôs uma pequena recuperação no número de bolsas e reajuste de 40% de seu valor, a exemplo do que sugeriu a equipe de transição da Ciência e Tecnologia para as bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Luiz Cláudio Costa, que é o atual presidente do Observatório de Rankings Acadêmicos e de Excelência (Ireg, em inglês) e membro do Conselho Internacional que define as políticas e indicadores do Times Higher Education (THE) Impact Rankings, afirma que “não tem gordura” nesse valor sugerido. “Estamos no limite de valores para um funcionamento mínimo da educação.”
O ensino básico receberá quase R$ 2,8 bilhões dos recursos obtidos pela transição, com foco na recuperação da aprendizagem perdida durante a pandemia. Sem deixar de lado o investimento na faixa etária de até 6 anos e a proposta de concessão de bolsas a estudantes do ensino médio, para que jovens não abandonem a última etapa da educação básica.
A ideia é inspirada no programa de governo da candidata à Presidência este ano pelo MDB, Simone Tebet. Os recursos para 2023 deverão ainda contemplar a merenda escolar: o governo Bolsonaro repassou o equivalente a R$ 0,33 por aluno. Dos R$ 12 bilhões adicionais, R$ 1,5 bilhão vão para essa rubrica.
O Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) também entra no novo ano na incerteza, com R$ 300 milhões adicionais destinados a materiais didáticos. “Os livros do 1º ao 5º ano (do ensino fundamental) vão atrasar. Eles devem estar nas escolas em fevereiro e 50% deles sequer começaram a ser distribuídos”, diz Luiz Cláudio Costa. “É terra arrasada. Além da guerra ideológica que destruiu valores da educação, não há programa algum.”
Pacto pela aprendizagem
A recuperação da aprendizagem foi tema de encontro este mês promovido pelo Todos pela Educação e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) com os governadores eleitos. Na ocasião, o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), falou em pacto pela aprendizagem e propôs reuniões periódicas específicas sobre a pauta educação, além da importância da primeira infância. Essa, aliás, é uma das bandeiras do Todos pela Educação, que defende a criação de uma secretaria ligada à Presidência da República.
A ideia já foi apresentada em conversas com Lula, Alckmin, o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e outros expoentes do novo governo. “É necessário um programa que articule educação, saúde, assistência, cultura, esporte. A primeira infância é uma dívida histórica brasileira e uma das maiores lacunas do país. Essa secretaria pode ser muito forte, a depender da prioridade que lhe for dada”, ressalta a presidente-executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz.
Esse governo restitui um debate sobre política pública que estava ausente. “Não estamos partindo dos 50 metros, mas de menos 50, muito foi destruído”, diz. “Primeiro, será preciso colocar as ruínas de pé para começar o trabalho. É um momento de reconstrução que vai gerar resultados mais pra frente. Se o Brasil e os brasileiros tiverem ansiedade em vez de paciência pode fazer com haja atropelos, colocando prioridades à frente do que é mais importante e o mais visível à frente do que é estruturante.”
Bloqueios, promessas e muita apreensão
Os R$ 2 bilhões suplementares destinados às instituições federais de ensino superior pelo
orçamento 2023 passam longe do fôlego que elas precisam para se reestruturar depois de seguidos cortes orçamentários nos últimos anos. Mas, se não serão suficientes para recompor o caixa de universidades e institutos, a promessa é de pelo menos permitir planejar o ano sem surpresas de última hora.
No último mês da gestão Bolsonaro, o governo cortou R$ 1,98 bilhão do orçamento do Ministério da Educação (MEC) e bloqueou mais de R$ 4 bilhões de universidades e institutos. Depois da repercussão negativa e da pressão das instituições, o ministro Victor Godoy anunciou a liberação da totalidade de recursos para despesas já contratadas e parte do montante para novas despesas. .
Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), os recursos liberados para o pagamento de bolsas e contratos de serviços terceirizados que estavam atrasados aliviam, mas não resolvem por completo a situação. De acordo com a reitora, Sandra Goulart Almeida, o corte de maio, no valor de R$ 16 milhões, não foi revertido e terá fortes consequências no orçamento de 2023.
Na Universidade Federal de Lavras (Ufla), no Sul de Minas, a indefinição para 2023 também ainda é motivo de dor de cabeça e a reversão do corte do meio do ano também é aguardada. A aprovação do Orçamento do ano que vem era aguardada, sob risco de adiamento do retorno às aulas. “O corte afetou um orçamento que já era insuficiente desde a aprovação da Lei Orçamentária Anual de 2022", explicou o pró-reitor de planejamento e gestão, Márcio Machado Ladeira, em nota divulgada pela Ufla.
Na Universidade Federal de Alfenas (Unifal), também no Sul do estado, o segundo semestre deste ano continua em janeiro – o calendário acadêmico ainda está atrasado pela pandemia. Segundo o reitor Sandro Amadeu Cerveira, vários materiais que estavam em processo de compra estão deixando de ser empenhados por conta do bloqueio orçamentário. Além disso, recursos que foram aportados para início de novos cursos em 2023 foram objeto de bloqueio, o que pode inviabilizar seu início.
Um orçamento fictício
A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), na Zona da Mata, chegou a ter todos os recursos indisponíveis após os cortes federais. Este ano, ela teve perda de 29,2% em seu orçamento, com bloqueios feitos em junho e dezembro. “O Orçamento aprovado em 2022 tornou-se fictício após bloqueios e cancelamentos”, afirma, em nota. Equacionar o orçamento é prioridade ainda na Universidade Federal de Viçosa (UFV), no Vale das Vertentes, onde, sem liberação de recursos, não seria possível honrar os compromissos.
“Os cortes de verbas representam riscos à manutenção das atividades de ensino, pesquisa e extensão da UFV, assim como ao desenvolvimento científico e de novas tecnologias, que impactam diretamente a qualidade de vida da população, bem como a economia local”, afirma o reitor, Demetrius David da Silva.
Em Uberaba, a Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) chegou a ter R$ 6 milhões bloqueados – dinheiro para aquisição de materiais de consumo, equipamentos e materiais permanentes e prestações de serviços eventuais, previstos para dezembro.
Na mesma região, a Federal de Uberlândia (UFU) usou os R$ 11,5 milhões liberados para o pagamento de despesas vencidas desde o fim de novembro. Mas a situação está longe do ideal. “A universidade volta, portanto, à situação do final de novembro, com déficit de orçamento, e envida esforços para obter o montante necessário para fechar as contas do ano”, informa em nota.
A Federal de Ouro Preto (Ufop), na Região Central, teve parte de seus recursos desbloqueados, o que permitiu o pagamento das bolsas de graduação e pós-graduação e dos contratos com as empresas terceirizadas, além de assegurar o acesso dos estudantes aos Restaurantes Universitários no almoço e no jantar. A liberação de R$ 2 milhões da Federal de São João del-Rei (UFSJ) assegurou também o pagamento de bolsas, fornecedores e terceirizados.
Fonte: Estadão