A Rússia enviou tropas de paraquedistas para o Cazaquistão nesta quinta-feira. A internet foi desligada por todo o país, e a extensão total da violência é impossível de se calcular. Governo do Cazaquistão renuncia após protestos violentos sobre os preços dos combustíveis
O Cazaquistão está vivendo os dias de protestos mais intensos desde a independência do país, há décadas. A internet foi desligada por todo o país, e a extensão total da violência é impossível de se calcular.
A instabilidade política fez com que dois vizinhos do país se preocupassem: a Rússia e a China.
O país é um produtor de petróleo, e parte significativa da produção é vendida para os chineses. E o Cazaquistão é um aliado dos russos.
Uma alta súbita do combustível de veículos no começo do ano disparou os primeiros protestos em uma pequena cidade produtora de petróleo.
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Mas depois disso os protestos ganharam força em diversos outros locais, e as pautas aumentaram, pois os manifestantes têm todo o governo como alvo.
O presidente Kassym-Jomart Tokayev tentou, inicialmente, aplacar os ânimos das multidões ao destituir os seus ministros. Como os protestos não diminuíram, ele mudou de tática.
Ele descreveu os manifestantes como terroristas e, então, apelou para a aliança militar da região, chamada de a Organização do Tratado de Segurança Coletiva. A Rússia é a líder dessa aliança.
A Rússia enviou tropas de paraquedistas para o Cazaquistão nesta quinta-feira.
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Jornalistas em Almaty disseram que uma residência presidencial e a prefeitura da cidade estavam em chamas. Até a tarde de quinta-feira, o aeroporto da cidade, que havia sido tomado por manifestantes mais cedo, estava sob o firme controle de equipes militares. Há veículos queimados pelas ruas do país.
Forças de segurança observam manifestantes no centro de Almaty, a maior cidade do Cazaquistão, durante protesto em 5 de janeiro de 2022
Vladimir Tretyakov/AP
Vários veículos blindados e dezenas de tropas haviam adentrado a praça principal de Almaty na manhã de quinta-feira, e tiros podiam ser escutados enquanto as tropas se aproximavam da multidão, reportaram correspondentes da Reuters a partir da cena.
A praça parecia pacífica mais tarde na quinta-feira, com um número de entre 200 e 300 manifestantes ainda reunidos sem nenhuma presença de tropas no local.
Por que as pessoas estão bravas?
O Cazaquistão é a maior e a mais rica república da Ásia Central entre os países da região que se tornaram independentes depois do fim da União Soviética. O território do país é o 9º maior do mundo (a extensão é semelhante à da Europa Ocidental), e há grandes reservas de petróleo, gás natural, urânio e metais preciosos.
Homem caminha em frente ao prédio da Prefeitura de Almaty, a maior cidade do Cazaquistão, que foi incendiado durante protestos desencadeados pelo aumento do preço do combustível e que culminaram na queda do governo, em 6 de janeiro de 2022
Pavel Mikheyev/Reuters
O país tem uma parte da população de classe média e uma elite de ultraricos, mas o grosso do povo enfrenta dificuldades financeiras.
A média da remuneração dos trabalhadores é de menos de US$ 600 (cerca de R$ 3.400), o sistema bancário passa por uma crise que piorou por uma alta taxa de inadimplência. Assim como no resto da região, há muita corrupção no cotidiano.
Os protestos começaram na cidade de Zhanaozen. Como é uma região com riquezas naturais, a população reclama, dizendo que o dinheiro gerado com a exploração não é distribuído de uma maneira justa.
Em 2011 já houve uma manifestação por esse motivo, e na ocasião pelo menos 15 pessoas foram mortas.
Na noite do último sábado, o preço do combustível mais comum no país, o gás liquefeito de petróleo, dobrou. Foi a gota da água para uma parte da população.
Carro incendiado em frente ao prédio da Prefeitura de Almaty, no Cazaquistão, que foi destruída durante protestos desencadeados pelo aumento do preço dos combustíveis, em 6 de janeiro de 2022
Pavel Mikheyev/Reuters
Moradores de cidades próximas rapidamente aderiram e, em poucos dias, grandes protestos se espalharam pelo resto do país.
Quem lidera os protestos?
Há pouco espaço para críticas no Cazaquistão. Historicamente, os líderes de oposição que surgiram foram reprimidos, escanteados ou cooptados.
Até agora, as manifestações foram de tamanhos significativos —houve mais de 10 mil pessoas em uma delas—, ao menos para os parâmetros do país, mas não surgiu nenhum líder.
O país foi governado por anos por Nursultan Nazarbayev. Em 2019, com mais de 80 anos, ele deixou o governo e nomeou um aliado, Kassym-Jomart Tokayev, para o posto.
Nazarbayev, no entanto, ainda é o líder do conselho de segurança e tem controle das forças militares e dos serviços de segurança.
Na quarta-feira, Tokayev anunciou que passará a ser o chefe do conselho de segurança.
Nas manifestações, muitos dos protestos não eram contra Tokayev, mas, sim, contra Nazarbayev, que ainda é visto como o líder do país.
O principal slogan dos protestos é “vá embora, velho” (shal ket).
Mapa mostra a localização das principais cidades do Cazaquistão
g1
Como as autoridades estão respondendo?
Um policial da cidade de Almaty disse nesta quinta-feira (6) que dezenas de manifestantes foram mortos nos confrontos em prédios públicos.
Pelo menos 12 policiais foram mortos, sendo que um deles foi decapitado.
Houve tentativas de invadir prédios públicos em Almaty durante a noite. A porta-voz da policia afirmou que “dezenas de agressores foram liquidados”.
Isso aconteceu durante a noite. Antes, durante o dia, os manifestantes tentaram tomar o prédio da prefeitura, e chegaram a iniciar um incêndio no edifício.
Em diversas cidades os prédios de órgãos públicos são alvos dos manifestantes.
Tokayev então pediu ajuda da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, aliança militar liderada pela Rússia.
Ele afirmou que pediu ajuda externa porque os manifestantes atuam em coordenação com grupos terroristas internacionais. Ele não deu detalhes sobre essa afirmação.
O presidente pode cair?
Esse tipo de agitação social é raro no país. Em 2016, houve protestos por causa de uma lei de terras, e em 2019, depois das eleições. No entanto, as manifestações deste ano são muito maiores.
Em um de seus pedidos ao público na quarta-feira, Tokayev prometeu buscar reformas e deu a entender que pode haver uma liberalização política. No entanto, no fim do dia ele fez comentários mais sombrios, que sugerem que deve haver mais repressão.
Mesmo que os protestos não consigam derrubar o governo, parece possível que os atos levem a uma transformação no país. Não está claro, no entanto, qual seria a natureza dessa transformação.
A Rússia reage
O governo da Rússia disse que fará consultas com o Cazaquistão e aliados sobre novas medidas de apoio às "operações de contra-terrorismo" das autoridades cazaques. Também classificou a revolta como uma tentativa de inspiração estrangeira para minar a segurança do país pela força.
Nem o Cazaquistão nem a Rússia forneceram evidências que apoiassem suas alegações de envolvimento estrangeiro.
Fonte: G1