Segundo capítulo da série 'O Sonho Americano' trata da economia. A globalização transformou a produção de queijo no maior estado produtor dos EUA. Do manejo simples do pasto à criação em larga escala, pequenos produtores de queijo deram lugar a grandes indústrias. No estado de Wisconsin, no noroeste dos Estados Unidos, o amor pelo queijo vai muito além dos gostos gastronômicos. A região é a principal produtora de laticínios do país, o que fez com que os seus moradores ganhassem o apelido de "Cheeseheads" (cabeças de queijo).
Esta reportagem faz parte da série "O Sonho Americano". A equipe da TV Globo percorreu estados-chave nas eleições presidenciais dos EUA para descobrir o que está impactando os eleitores neste ano. O segundo capítulo é sobre economia.
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O apelido surgiu de maneira pejorativa dentro do esporte, por times rivais de outros estados. No entanto, os moradores do Wisconsin abraçaram a alcunha de "cheeseheads" com orgulho. Hoje, em jogos de baseball ou futebol americano, o adereço em forma de chapéu de fatia de queijo virou parte do uniforme para os torcedores nas arquibancadas.
Mas por trás desse símbolo curioso, há uma história que revela como a globalização impactou a economia americana e desafiou as tradições que moldaram o estado.
Uma delas é "caminho do queijo", que envolveu durante anos famílias do estado de Wisconsin. No passado, o leite das vacas era vendido na própria comunidade.
Com o passar dos anos e o aumento da produção na região, as vacas passaram a crescer em espaços confinados. No lugar de grama, agora elas comem apenas ração para aumentar ainda mais a quantidade delas.
Aos poucos, a produção leiteira mudou, as vacas não vagavam mais a busca de grama nova e não era mais necessário baixar a cerca para que elas pudessem vagar livremente pela fazenda.
Com isso, o mercado mudou. O das vacas criadas em área aberta, livres, também. A estimativa é de que apenas 5% das fazendas da região de Wisconsin seguem o antigo modelo de produção.
'Cheeseheads' em jogo da NFL, no Wisconsin
Alex Carvalho/TV Globo
Junto da mudança na produção, os fazendeiros passaram a encarar a necessidade de investimentos cada vez maiores para competir com a produção de leite e queijo em grande escala.
"Hoje nós temos que ser eficientes. Para produzir mais, precisamos de mais investimentos. Então a sua fábrica tem que ser grande o bastante para bancar esse investimento", comenta o fazendeiro Joe Tomandl.
O catalisador dessa mudança não foi somente o crescimento populacional dos Estados Unidos, nos últimos 30 anos. Entre 1993 e 2023 o país cresceu 30,3%, quando passou de cerca de 257 milhões, para 335 milhões de habitantes.
A globalização pesou mais, principalmente a partir dos anos de 1980, quando a China entrou no mercado internacional. Os americanos acreditavam que o país asiático baratearia produtos, por exemplo.
"Em curto período de tempo, centenas de milhões de trabalhadores asiáticos entraram no mercado global de trabalho. Eles são extremamente disciplinados, extremamente eficientes e estão dispostos a trabalhar por uma fração do que ganham os seus competidores no resto do mundo. Isso levou a toda uma reorientação de lógica de investimento em escala planetária", comentou o economista e filósofo Eduardo Gianetti.
Essa eficiência atingiu também o público que era bem atendido pelo avô do Daniel, com seu cortador de grama. Para continuar competitivo, o mercado de cortadores passou a exigir fábricas eficientes, com parte da produção robotizada e automatizada.
Cortador de grama antigo da família Ariens, nos Estados Unidos
Arquivo pessoal
Uma funcionária chamada Melanie foi a primeira a ser contratada pela fábrica para treinar os braços robóticos e, segundo a conta dela, cada um elimina entre 20 e 30 trabalhadores.
A mudança na produção dos cortadores de grama não só obrigou a produção em massa cada vez mais eficiente, como reduziu a quantidade de marcas concorrendo no mercado. "Hoje as indústrias se consolidaram. Houve muitas fusões e aquisições e muito menos pequenos produtores fazendo os produtos", comenta a Daniel Ariens.
"Há cada vez menos de nós, produtores independentes e individuais, fazendo mais produtos. Na verdade, a indústria se expandiu. Os consumidores aumentaram. Tivemos mais clientes para o nosso produto, mas menos fabricantes", complementa.
Eduardo Gianetti aponta que com maior escala na produção, o preço cai para o consumidor final. Por outro lado, os pequenos fabricantes não conseguem competir neste patamar, nem mesmo com margem de lucro cada vez menor.
"O trabalho é mais barato, porque o Estado não paga benefícios sociais que incidem sobre a folha salarial e porque você tem uma escala monumental. Que torna muito difícil a vida do pequeno produtor", diz o economista.
Com a globalização, o sonho americano fica distante da realidade. Fica difícil um americano iniciar sua produção, quando ele compete com uma fábrica enorme e que consegue baixar seus custos.
Ele até pode conseguir, mas é necessário um investimento muito maior apenas para o negócio ganhar forma e começar a fabricar.
O economista aponta que este é o norte do fenômeno Trump. "A hiperglobalização. Quando ele fala Make América Great Again, ele está propondo o sonho de voltar para o mundo antigo antes da hiper globalização," comenta Gianetti.
Segundo o economista, Trump, quando presidente, elevou impostos para proteger a indústria nacional. Funcionou, as importações foram reduzidas, mas o americano passou a pagar mais caro por muitos produtos. Joe Biden, mesmo de outro partido, seguiu com a mesma taxação.
"Acabou a era da hiperglobalização. Independente se vai ser de forma rápida ou devagar, os dois partidos vão nessa mesma direção", comenta o economista.
Por outro lado, a evolução tecnológica não deve retornar a sensação de fazenda espaçosa e como pensamos, como eram no sonho americano de antigamente.
Startups já criam torres para multiplicar a produção de alface, por exemplo, apenas em cultivo hidropônico — sem terra, só com água.
Uma das propostas de Kamala Harris é dar US$ 50 mil de desconto no imposto para empresas como essa startup. Outro grande investimento vem da Microsoft, que aportou US$ 41 milhões.
Queijo produzido no Wisconsin
Alex Carvalho/TV Globo
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