Mas seja por causa da ressaca, do fantasma da pandemia, da preguiça num dia em que o Sol brinca de aparecer e desaparecer, ou o apego ao sono e à cama quentinha, muitos belo-horizontinos escolheram ficar em casa, ao menos ao longo da manhã. O movimento pelas ruas da capital era tímido, uma cidade mais parada. Um despertar sem hora marcada.
Para Laílson José dos Santos, de 63 anos, pipoqueiro há 30 e com cinco anos batendo ponto na Praça da Assembleia, no Bairro Santo Agostinho, a falta de movimento surpreendia: "Cheguei às 7h e há muito não via a praça tão parada, tão devagar, nenhum cliente". Ele contava com mudança de cenário ao longo do dia, a programação era ficar até o fim da tarde.
O carrinho com pipoca salgada, doce, coquinho e amendoim, é o ganha-pão de Jaílson: "Com a pipoca saí do aluguel, é o meu sustento e da família, dei condição para meus seis filhos estudarem, uns preferiram só trabalhar, e olha que começou como um quebra-galho, numa época de desemprego. Agora, ainda mais com a pandemia, o cancelamento de eventos como réveillon e carnaval, está bem difícil. E ainda tem a crise, a pipoca é supérflua e a concorrência aumentou. Mas sigo na luta, à espera dos clientes, alguns sempre aparecem".
A vendedora de cocos Maria Carvalho, ao lado do marido, Nem, e do filho Pedro, também estavam à espera de clientes na Praça da Assembleia, onde trabalham há oito anos. "O dia começou chuvoso, o que espantou as pessoas. Mas tenho certeza de que ao longo do dia vai melhorar, o movimento vai crescer. Adoro trabalhar aqui, é gostoso o ambiente, só família e, ao ar livre, me sinto segura diante da pandemia. Fiquei um ano parada, foi terrível, mas com o avanço da vacinação tudo está melhorando. Esperança sempre", destaca Maria, que de segunda a sexta fica na porta da Assembleia e no fins de semana e feriados se desloca para a praça.
BURBURINHO
Mas em meio à calmaria, não é que, aos poucos, foi surgindo um burburinho aqui e outro ali? Entre tantas alegrias que acompanham o Natal, não tem nada mais genuíno e um dos momentos mais esperados do que a surpresa e encantamento das crianças ao receberem os presentes e abrir os embrulhos.
Olhinhos curiosos, sorriso largo, um misto de espanto e alegria alimentam uma tradição que faz bem a todos. De posse dos brinquedos, o 25 de dezembro é marcado pela interação entre os pequenos e o desejo realizado pelo Papai Noel, pais, avós, tios, irmãos, amigos, madrinhas, enfim, por aqueles que alimentam a criança dentro de si e saem para praças, parques, pistas de caminhada e passeios para desfrutar, curtir, compartilhar e exibir seus brinquedos num universo que é mágico e contagia.
Tem aquele que vai bater uma bolinha com pai, o que vai andar de skate com a mãe, pode ser um passeio com um cachorrinho, o mais novo membro da família, a emoção de andar de bicicleta ou se exibir com a boneca mais bonita do mundo ou ainda quem vibra com os aparelhos eletrônicos, jogos, smartphones, mergulhados no mundo digital.
Nada como curtir e observar a alegria das crianças e seus presentes de Natal. Emoção também para os adultos. Já para os menores, o Natal implica momentos de magia e fantasia que devem ser alimentados pelos pais e a família. E é importante que vivam todo esse significado porque, certamente, é uma das recordações mais bonitas que se leva da infância, que fica registrada.
A família Vasconcellos estava completa para aproveitar o dia. Aldrey de Vasconcellos, de 51, engenheiro, com a mulher, Gabriela, de 46, servidora pública federal, e os filhos Benício, de 6, e Horácio, de 4, se divertiam. Horácio a bordo do velotrol e Benício com a bike nova. Benício também levou a bicicleta velhinha, que recebeu uma repaginada e foi repassada para o irmão caçula. Ele se exibia com a bike que acabou de chegar.
"Presente otimizado. Estimulamos o reaproveitamento não só de brinquedo, mas roupas, mochila, uniforme. Ensinamos a conservar para que o outro possa usar, até para economizar e o dinheiro ser usado para outro fim", revelou Aldrey sobre o presente duplo de Horácio.
Benício ficou empolgado com a entrevista para mostrar para a avó, que é do Piauí, terra natal da mamãe Gabriela, Teresina. É tradição da família aproveitar o 25 de dezembro todos juntos e com os brinquedos. "Fiz com meus pais e agora com meus filhos. No dia 24, passamos na casa da minha mãe, tem o amigo-oculto, inclusive, com a participação das crianças, que fazem toda a cena, de falar as características das pessoas e tudo mais. E, quando voltam para casa, o Papai Noel já passou e deixou os presentes que pediram", conta Aldrey.
Aliás, a tradição do Papai Noel é sagrada na família Vasconcellos: "Eles deixam suco e biscoito para o Papai Noel e cenoura para a rena. Enquanto pudermos conservar a fantasia, vamos fazer. É uma forma de criar memória e não só do Natal, mas sempre os levo ao Mercado Central para lanchar, comprar queijo e ver os animais. São lembranças que não se perderão com o tempo", destaca Aldrey.
Vladimir Lopes, de 43, engenheiro, com os filhos Antônio, de 7, e Helena, de 5, também escolheram a Praça da Assembleia para experimentar os brinquedos.
O legal dessa duplinha é que Helena ganhou patins para se aventurar ao lado de Antônio com seu skate. O skate já é velho de guerra, os brinquedos novos ele deixou na casa da avó: poke bowl e carrinho de controle remoto. A ideia era curtir ao lado da mana. Os irmãos radicais.
SABOR DE ACOLHIMENTO
Enquato isso, a solidariedade dava o tom do Natal no Restaurante Popular I, em Belo Horizonte. A unidade, situada no Centro, recebeu cerca de 3,5 mil pessoas para o tradicional almoço que celebra a data. O serviço é oferecido há 27 anos de forma voluntária por servidores da unidade.
No prato, farofa, arroz, pernil e uma maçã de sobremesa. O grupo de palhaços do Movimento Amor incrementou a festa com atenção e afeto. Eles realizaram no local uma intervenção cênica, em que interagiram com os participantes e distribuíram balas e pirulitos.
"A realidade das pessoas que encontramos ali é, geralmente, dura. Sabemos que não temos o poder de mudar isso, mas ao menos podemos fazê-las se sentirem vistas, queridas, consideradas", comenta Juliana Belico, do Movimento Amor.
O aposentado Júlio Silva, de 67, destaca a sensação de acolhimento da experiência. "Eu me senti lembrado, isso é muito bom. Para a gente que não tem família, o Natal pode ser muito triste. Este almoço deu uma arejada na minha cabeça", comentou o idoso.
A autônoma Maria Neves, de 42, aprovou o menu do evento. "Estava uma delícia! Já vim muitas vezes neste almoço, é uma das melhores refeições que já comi. O pessoal está de parabéns", elogia. (LM)
Batizado de mãe e filho marca celebração
Batizado de mãe e filho marcou as comemorações do Natal junto à população em situação de rua em Belo Horizonte promovidas pela Pastoral do Povo da Rua no Santuário Nossa Senhora da Conceição dos Pobres, no Bairro Lagoinha. Valdiana Fagundes, de 36 anos, foi batizada junto com o filho Caio, de 7 meses, pelo padre Júlio Cesar Gomes Moreira.A cerimônia aconteceu na tarde de ontem. Há 30 anos, a Arquidiocese de Belo Horizonte, por meio da pastoral, recebe no santuário a população em situação de rua. As pessoas são recebidas com o compartilhamento de alimentos, numa mesa de frutas, muita música e orações. Na missa, celebrada pelo padre Júlio, foram batizados mãe e filho. A mulher tem histórico de rua.
Valdiana Fagundes, que se encontra desempregada, viu-se em situação vulnerável ao perder os pais há sete anos. "Não tinha renda, não tinha nenhum apoio e a solução foi ficar na rua com meu companheiro, onde enfrentei frio, chuva, humilhações e agressões." Hoje, a família mora em abrigo da prefeitura no Bairro Granja de Freitas, Região Leste de BH.
"Tenho muita consideração pelo pessoal da pastoral. Minha formação é católica, mas nunca fui batizada. Para mim significa uma mudança na minha vida", declarou Valdiana. A religiosa dominicana irmã Solange de Fátima Damião, coordenadora nacional da pastoral de rua, disse que essa é uma celebração que fecha um ciclo de outras ações durante todo o ano. Momento de confraternizar e reforçar os laços, "o renascer de Cristo no coração da humanidade, de maneira especial, sem exclusão, em cada coração do morador nas ruas."
É um gesto que se repete há 30 anos, numa cidade em que essa população triplicou nestes últimos anos, com o agravante da pandemia. "Os órgãos públicos insistem em dizer que são 4.500 em toda a cidade, mas não há mais como negar que ultrapassam os 10 mil. Isso pôde ser comprovado pela ação emergencial que atendeu esse público no Canto da Rua, na Serraria Souza Pinto", explica irmã Solange. Passaram por esse atendimento, com cadastro, mais de 10.500 pessoas.
Solange conta que por quase uma década não havia registros em BH de famílias inteiras vivendo nas ruas e que esse quadro se agravou nos últimos anos. "A situação financeira foi o agravante. Nossa luta é por moradia em primeiro lugar, quando se tem assegurado um lugar para ficar, onde recorrer para descansar, fazer suas atividades."
Flávia Hércia Izaltno, de 36, assistente social, que se tornou madrinha de batismo de Valdiana e atua junto à pastoral há seis anos, concorda que a solução do problema passa pelo direito à moradia. "Esse é o primeiro passo, claro que emprego é necessário, mas para conseguir trabalhar essas pessoas precisam de um lugar de referência, onde possam tomar banho, se alimentar e ter seu cantinho para descansar. Depois vem o acompanhamento psicossocial. Vivemos aqui um momento de afetividade, numa data que é o Natal, que é uma comemoração de aproximação das pessoas." (EG)
Papai Noel no caminhão
Uma antiga tradição se repetiu na manhã de ontem, dia do Natal, nas cidades do interior de Minas. No alto de um caminhão, Papai Noel saiu pelas ruas e avenidas distribuindo balas e chocolates para a criançada. Em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, houve um encontro do bom velhinho em várias versões, na Avenida Raul Teixeira da Costa Sobrinho, que liga os bairros Adeodato e Boa Esperança. Na verdade, quase houve um "natalino" congestionamento de caminhões com Papai Noel, Mamãe Noel e a família Noel, que não para de crescer. No Bairro São Geraldo, muitas famílias ficaram esperando a passagem da comitiva lá da Lapônia, que, para não perder tempo, trocou o trenó pelo caminhão. "Lá vem ele!", gritou uma menina. De longe, a buzina chama a atenção, mas nem sempre o roteiro é o esperado. "Já fui e voltei lá em casa umas três vezes, mas esse Papai Noel não passa", comentou uma jovem com duas crianças de 2 e 3 anos. Finalmente, veio Papai Noel e foi aquela festa, com a criançada correndo atrás.Alguns caminhões trazem nomes das famílias em faixas e votos de feliz Natal. E a turma que está na carroceria lança os confeitos em saquinhos de bala.Estadão