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Saiba como o Congresso construiu um orçamento "fictício" para 2021

Por Jr Blitz 28/03/2021 às 14:00:12

Levantamento do Valor mostra passo a passo que gerou Orçamento da União irrealista, com despesas obrigatórias subestimadas em R$ 17,57 bilhões

O Congresso Nacional aprovou, na semana passada, um Orçamento da União para 2021 irrealista. Como informou a própria equipe econômica, as despesas obrigatórias estão subestimadas em R$ 17,57 bilhões. Além de não levar em consideração essa informação, o relator-geral, senador Márcio Bittar (MDB-AC), decidiu fazer um corte adicional nas despesas obrigatórias de R$ 26,46 bilhões.

Para executar o Orçamento aprovado, o governo teria que fazer um contingenciamento de R$ 44,05 bilhões nas dotações orçamentárias. Mas, como o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) adiou o início do pagamento do abono salarial relativo a 2020, do segundo semestre deste ano para o primeiro semestre de 2022, as despesas obrigatórias serão reduzidas em R$ 7,4 bilhões. Com isso, o contingenciamento passaria para R$ 36,6 bilhões.

As despesas discricionárias do Executivo (investimentos e custeio da máquina administrativa), submetidas ao teto de gastos, foram fixadas em R$ 92,05 bilhões neste ano. Um contingenciamento de R$ 36,6 bilhões reduziria as despesas de investimento e custeio para R$ 55,45 bilhões. Este valor, segundo fontes da área econômica, inviabiliza o funcionamento da administração federal, levando à paralisação de serviços oferecidos à população – o chamado ‘shutdown’. Veja abaixo o passo a passo para se chegar a esse orçamento “fictício”.

1. Em agosto de 2020, o governo encaminhou a proposta orçamentária para 2021. Para estimar as despesas com benefícios previdenciários, o governo utilizou o valor de R$ 1.067,00 para o salário mínimo e 2,09% para a inflação de 2020 medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). O INPC corrige o salário mínimo e os benefícios com valor acima do salário mínimo.

2. O INPC acumulado em 2020, no entanto, disparou e atingiu 5,45%. O salário mínimo para 2021 foi fixado em R$ 1.100,00.

3. Mesmo com as mudanças de todos os parâmetros macroeconômicos, INPC e salário mínimo entre eles, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não pediu ao presidente da República que enviasse ao Congresso Nacional uma mensagem modificativa da proposta orçamentária elaborada em agosto. Em 2019, Guedes fez isso após a aprovação da reforma da Previdência Social e mudanças dos parâmetros macroeconômicos, alterando a proposta orçamentária para 2020.

4. No dia 3 de março, o relator da Receita da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional, deputado Beto Pereira (PSDB-MS), elevou em R$ 35,3 bilhões a previsão de arrecadação da União para este ano. No seu parecer, Pereira informa que “não obstante a profunda alteração do cenário econômico e social para 2021 em relação ao que se previa em final de agosto do ano passado, não foi encaminhada ao Congresso Mensagem Modificativa, à diferença de em outros exercícios quando as condições fiscais mudaram em curto espaço de tempo”. E acrescenta: “Coube ao Congresso suprir essa lacuna”. Mas apenas no tocante à receita. O Congresso não fez o mesmo em relação às despesas.

5. No dia 22 de março, o relator-geral do Orçamento, senador Márcio Bittar (MDB-AC), divulgou o seu parecer final sobre a proposta orçamentária deste ano. Nele, Bittar manteve as mesmas projeções para as despesas com benefícios previdenciários, assistenciais, com o abono salarial e com o seguro desemprego que constam da proposta orçamentária encaminhada pelo governo em agosto. Todas elas foram estimadas com o salário mínimo de R$ 1.067,00 e o INPC de 2,09%.

6. No mesmo dia 22 de março, o Ministério da Economia enviou ao Congresso Nacional, cumprindo determinação legal, o relatório de avaliação de receitas e despesas relativo ao primeiro bimestre de 2021. A divulgação do relatório ocorreu depois da divulgação do parecer final do relator-geral do Orçamento. No relatório, o Ministério da Economia informa que as despesas obrigatórias da proposta orçamentária deste ano, elaborada em agosto de 2020, estão subestimadas em R$ 17,57 bilhões.

7. Como o relator-geral não alterou a proposta orçamentária elaborada em agosto, os deputados e senadores votaram um orçamento fictício, pois, de acordo com o Ministério da Economia, as despesas obrigatórias estão subestimadas em R$ 17,57 bilhões. Deste total, R$ 8,5 bilhões se referem a benefícios previdenciários.

8. No relatório de avaliação do primeiro bimestre, o governo manteve sua estimativa para as despesas discricionárias deste ano (investimentos e custeio da máquina) em R$ 96,05 bilhões, sendo que deste total, R$ 4 bilhões se referem à capitalização de empresas estatais, que não está submetida ao teto de gastos. Além disso, reservou R$ 16,3 bilhões para as emendas dos parlamentares. O total das despesas discricionárias era, portanto, de R$ 112,35 bilhões.

9. Em seu parecer final, o relator-geral elevou as despesas discricionárias para R$ 113,1 bilhões. As emendas parlamentares passaram para R$ 22,79 bilhões. Para fazer isso, os sub-relatores de várias áreas da proposta orçamentária e o próprio relator-geral cortaram investimentos e custeio programados pelo Executivo e colocaram suas emendas. Do total dos 22,79 bilhões, R$ 2,56 bilhões se referem a emendas apresentadas pelo relator-geral.

10. Quando fazem emendas ao Orçamento, os parlamentares passam a ser responsáveis pela indicação do ente que será beneficiado com os recursos. Ele precisa indicar o CNPJ do beneficiário. Quando o governo promove um contingenciamento das dotações, o Executivo é obrigado a perguntar a cada parlamentar quais são as suas prioridades no corte das emendas. Eles se tornam, praticamente, donos de uma parte do Orçamento.

11. No dia 25 de março, o relator-geral apresentou um complemento ao seu parecer final. Nele, propõe o corte de R$ 26,46 bilhões em despesas obrigatórias, sendo que R$ 13,5 bilhões nas despesas com benefícios previdenciários.

12. Assim, além das despesas obrigatórias estarem subestimadas em R$ 17,5 bilhões, segundo relatório de avaliação do primeiro bimestre, o relator-geral ainda cortou R$ 26,46 bilhões. As dotações para as despesas obrigatórias neste ano estão subestimadas, portanto, em R$ 44,03 bilhões. Este seria, em princípio, o tamanho do contingenciamento. Mas como o governo adiou o início do pagamento do abono salarial de 2020, do segundo semestre deste ano para o primeiro semestre de 2021, uma despesa de R$ 7,4 bilhões, o contingenciamento teria que ser de R$ 36,6 bilhões (R$ 44,03 bilhões menos R$ 7,4 bilhões). O contingenciamento nesse nível levaria a um shutdown, com paralisação de serviços públicos oferecidos à população. Como será mostrado abaixo, o contingenciamento, no entanto, não resolve a questão.

13. O relator-geral justificou o corte de R$ 26,46 bilhões nas despesas obrigatórias com os seguintes argumentos: o adiamento do pagamento do abono salarial relativo a 2020, do segundo semestre deste ano para o primeiro semestre de 2022, já decidido pelo Codefat, vai reduzir a despesa obrigatória em R$ 7,4 bilhões neste ano; além disso, o governo vai editar uma medida provisória antifraude nos benefícios previdenciários e pedir ao Congresso Nacional que aprove uma legislação determinando que as empresas paguem o auxílio-doença, em vez do INSS. Essas duas medidas reduzirão, segundo o relator-geral, as despesas com benefícios previdenciários. Ele, no entanto, não apresentou a metodologia que utilizou para calcular o impacto das duas medidas.

14. O relator-geral cortou despesas obrigatórias baseado, em grande medida, em medidas que não foram apresentadas e nem aprovadas. Ele repetiu uma estratégia adotada pelo relator-geral do Orçamento de 2020, deputado Domingos Neto (PSD-CE), que cortou a despesa com o pagamento de pessoal com base na proposta de emenda constitucional 186, que previa a redução de 25% da carga de trabalho dos servidores, com a respectiva redução dos salários. Esta medida da PEC 186, também chamada de PEC Emergencial, não foi aprovada.

15. Ao fazer o corte nas despesas obrigatórias, o relator-geral contrariou o artigo 166 da Constituição e infringiu a Instrução Normativa nº 1, da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional. O artigo 166 estabelece que as emendas ao Orçamento só podem ser aprovadas para corrigir erros e omissões. A Instrução Normativa nº 1 estabelece que não serão admitidas, salvo se comprovado erro ou omissão de ordem técnica ou legal, emendas que proponham cancelamento, ainda que parcial, das dotações para despesas com pessoal, juros e encargos da dívida pública, amortização da dívida e despesas primárias obrigatórias. No complemento do seu parecer, o senador Bittar não justificou o corte das despesas obrigatórias por erro técnico ou omissão.

16. O que precisa ser entendido é que o relator-geral cortou as despesas obrigatórias para abrir, de forma irregular, espaço no teto de gastos da União, que foi instituído pela emenda constitucional 95/2016. Esta EC estabelece que a despesa máxima de um determinado ano é a mesma autorizada no ano anterior, corrigida pela inflação. Como a proposta orçamentária para 2021 foi encaminhada pelo governo no limite do gasto permitido, o relator não tinha como aumentar as emendas parlamentares por causa do teto, mesmo com a revisão da receita, que elevou o montante disponível. Ele, então, decidiu reduzir as despesas obrigatórias e abrir espaço para as emendas.

17. O teto de gastos não está sendo obedecido porque, durante a execução orçamentária deste ano, as dotações das despesas obrigatórias autorizadas pelo Orçamento não serão suficientes. Poderão faltar verbas, por exemplo, para pagar benefícios previdenciários e o seguro desemprego.

18. Neste caso, de nada vai adiantar ao governo fazer o contingenciamento de dotações orçamentárias, porque isso não será suficiente. O governo terá que cancelar despesas orçamentárias e propor crédito adicional para as dotações que foram subestimadas. O principal obstáculo para a gestão do Orçamento deste ano é que o artigo 4º da lei orçamentária aprovada não permite que o governo corte emendas parlamentares. Ele terá que pedir autorização para isso ao Congresso, por meio de um projeto de lei. Neste momento, ele terá que dizer quais as emendas de deputados e senadores terão que ser canceladas. E o Congresso terá que aprovar.

19. Com o corte de R$ 26,46 bilhões nas despesas obrigatórias, o relator-geral elevou o valor de suas emendas de R$ 2,55 bilhões para R$ 29,02 bilhões. No total, as emendas parlamentares ficaram em R$ 51,62 bilhões. Na distribuição das verbas, o relator-geral beneficiou, principalmente, o Ministério do Desenvolvimento Regional e o Ministério da Infraestrutura. O MDR tinha R$ 6,4 bilhões e ficou com R$ 20,8 bilhões.

Congresso Nacional aprovou, na semana passada, Orçamento da União para 2021 irrealista.

Dimitri Otis/Getty Images

Fonte: Valor Econômico

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