Associated Press teve acesso a e-mail interno e ouviu dois oficiais do governo dos EUA em condição de anonimato. Registros das falas não podem ser alterados; caso gerou desgaste e pode ser investigado. Declaração controversa de Joe Biden repercute na campanha dos dois candidatos à Casa Branca
Jornal Nacional/ Reprodução
Funcionários da Casa Branca modificaram a transcrição oficial de uma fala em que o presidente Joe Biden parecia fazer críticas aos apoiadores de Donald Trump. Isso provocou reações de trabalhadores federais que registram essas declarações para a história, de acordo com dois oficiais do governo dos EUA e um e-mail interno obtido na quinta-feira (31) pela Associated Press (AP).
Biden causou uma grande polêmica no início desta semana com seus comentários a ativistas latinos, em resposta a declarações racistas feitas em um comício de Trump pelo comediante Tony Hinchcliffe, que se referiu ao território americano de Porto Rico como uma "ilha flutuante de lixo."
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De acordo com uma transcrição feita pelos estenógrafos oficiais da Casa Branca — profissionais responsáveis por registrar de forma precisa e rápida o que é dito em reuniões e audiências —, Biden disse ao grupo latino em uma chamada de vídeo na noite de terça-feira (29): "O único lixo que vejo flutuando por aí são os apoiadores dele. A demonização dos latinos é inaceitável e antiamericana."
A transcrição divulgada pelo escritório de imprensa da Casa Branca, no entanto, alterou a citação para incluir um apóstrofo, dizendo "supporter's" em vez de "supporters" (apoiador em vez de apoiadores). A assessoria explicou que essa mudança indicava que Biden estava criticando Hinchcliffe, e não os milhões de americanos que apoiam Trump para presidente.
A mudança foi feita após o escritório de imprensa "consultar o presidente", de acordo com um e-mail interno do chefe do escritório de estenografia que foi obtido pela AP. A autenticidade do e-mail foi confirmada por dois oficiais do governo que falaram sob a condição de anonimato para discutir assuntos internos.
O supervisor, no e-mail, classificou a forma como o escritório de imprensa lidou com a situação como "uma violação do protocolo e uma manipulação da integridade da transcrição entre os escritórios de estenografia e de imprensa."
"Se houver uma diferença na interpretação, o escritório de imprensa pode optar por não divulgar a transcrição, mas não pode editá-la de forma independente," escreveu o supervisor, acrescentando: "Nossa transcrição do Escritório de Estenografia — que foi enviada para nossa distribuição, incluindo os Arquivos Nacionais — agora é diferente da versão editada e divulgada ao público pelo pessoal do escritório de imprensa."
Segundo a agência, a edição da transcrição ocorreu enquanto a Casa Branca se apressava para responder a uma série de perguntas de repórteres sobre os comentários de Biden. As declarações do presidente entraram em conflito com o discurso quase simultâneo da vice-presidente Kamala Harris, que pediu respeito ao tratar americanos com ideologias diferentes.
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A campanha de Trump rapidamente usou a citação para "faturar", e no dia seguinte, Trump fez uma sessão de fotos dentro de um caminhão de lixo para se aproveitar das críticas feitas por Biden.
Na quarta-feira (30), Harris se afastou dos comentários de Biden, marcando a separação mais clara em relação ao presidente desde que assumiu a liderança da chapa democrata há pouco mais de três meses.
"Deixe-me ser clara," disse ela aos repórteres, "discordo veementemente de qualquer crítica a pessoas com base em quem elas votam."
De acordo com o e-mail, o escritório de imprensa pediu aos estenógrafos que produzissem rapidamente uma transcrição da chamada em meio à polêmica.
Biden usou as redes sociais para esclarecer que não estava chamando todos os apoiadores de Trump de lixo, mas se referia especificamente à "retórica odiosa sobre Porto Rico que foi dita por um apoiador de Trump em seu comício no Madison Square Garden."
Como o registro é feito
O escritório de estenografia é responsável por preparar transcrições precisas das falas públicas e privadas do presidente, para que sejam preservadas pelos Arquivos Nacionais e distribuídas ao público.
A equipe de estenografia de duas pessoas que estava de plantão naquela noite — um "digitador" e um "revisor" — afirmou que qualquer alteração na transcrição precisaria ser aprovada pelo supervisor, que é o chefe do escritório.
O supervisor não estava disponível para revisar o áudio de imediato, mas o escritório de imprensa decidiu publicar a transcrição alterada no site da Casa Branca e distribuí-la para a imprensa e nas redes sociais, tentando minimizar a repercussão da história.
Naquela noite, o porta-voz adjunto sênior da Casa Branca, Andrew Bates, também publicou no X a versão editada da citação, afirmando que Biden se referia à "retórica odiosa no comício do Madison Square Garden como 'lixo.'"
O supervisor, um funcionário de carreira da Casa Branca, expressou suas preocupações sobre a ação do escritório de imprensa — mas não comentou sobre a precisão da edição — em um e-mail dirigido ao diretor de comunicação da Casa Branca, Ben LaBolt, à secretária de imprensa Karine Jean-Pierre e a outros funcionários de comunicação e imprensa.
"Independentemente da urgência, é fundamental para a autenticidade e legitimidade de nossas transcrições que sigamos um protocolo consistente para solicitar edições, aprovações e liberações," escreveu o supervisor.
O supervisor se recusou a comentar o ocorrido para a AP e encaminhou as perguntas sobre o assunto para o escritório de imprensa da Casa Branca.
Quando questionado, o porta-voz adjunto sênior da Casa Branca não comentou sobre a alteração da transcrição e disse que "o presidente confirmou em seu tweet na terça-feira à noite que estava se referindo à retórica odiosa do comediante no comício de Trump no Madison Square Garden. Isso está refletido na transcrição."
Caso pode ser investigado
Enquanto isso, os republicanos da Câmara estavam debatendo a possibilidade de iniciar uma investigação sobre o assunto.
A presidente da Conferência Republicana da Câmara, Elise Stefanik, de Nova York, e o presidente da Comissão de Supervisão e Responsabilidade, James Comer, do Kentucky, acusaram na quarta-feira a equipe da Casa Branca de "divulgar uma transcrição falsa" das declarações de Biden.
Em uma carta ao advogado da Casa Branca, Ed Siskel, na quarta-feira, eles pediram à administração que preservasse documentos e comunicações internas relacionadas às declarações de Biden e à liberação da transcrição.
"Os funcionários da Casa Branca não podem reescrever as palavras do presidente dos Estados Unidos para que fiquem mais alinhadas politicamente," escreveram os legisladores a Siskel.
Stefanik e Comer afirmaram que a ação poderia violar a Lei de Registros Presidenciais de 1978.
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Fonte: G1