Republicanos e celebridades porto-riquenhas como Ricky Martin e Bad Bunny se irritaram com ofensas racistas de comediante convidado pelo ex-presidente, que chamou território americano de 'ilha de lixo'. Candidato republicano Donald Trump durante comício no Madison Square Garden, em Nova York, em 27 de outubro de 2024.
REUTERS/Brendan McDermid
Donald Trump queria fazer do Madison Square Garden um marco apoteótico de sua campanha e recriar no lendário estádio novaiorquino a atmosfera messiânica que o consagrou candidato republicano em julho na convenção de Milwaukee. Deu errado.
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A maré vermelha que inundou neste domingo (27) o território democrata de raízes profundas presenciou um festival de barbaridades racistas e xenófobas, que excederam os limites já normalizados pela torcida republicana.
O discurso de uma hora e 20 minutos do ex-presidente foi ofuscado por um de seus convidados, o comediante e podcaster Tony Hinchcliffe, que aquecia a plateia e, com um bombardeio de estereótipos, buscou ser mais realista do que o rei. Descreveu Porto Rico, lar de 3,2 milhões de cidadãos americanos, como "uma ilha de lixo flutuante", zombou dos hispânicos, "que adoram fazer bebês", dos judeus, que são mesquinhos, e dos palestinos, que gostam de atirar pedras.
Hinchcliffe coleciona em sua biografia um histórico de clichês racistas, mas os proferidos no domingo foram um presente para a campanha de Kamala Harris, que estava justamente na Pensilvânia, onde residem meio milhão de porto-riquenhos e tornou-se o mais decisivo dos sete estados-pêndulos.
A vice-presidente dos EUA havia visitado redutos da comunidade em Filadélfia, anunciou uma força-tarefa e incentivos para Porto Rico e criticou o adversário pela má gestão dos estragos causados pelo furacão Maria, em 2017, que deixou três mil mortos.
O domingo transcorria como um rotineiro dia de campanha democrata até Hinchcliffe torpedear o território americano, que não vota para presidente, mas dá a seus cidadãos residentes num dos 50 estados americanos o direito de fazê-lo. O périplo de Kamala passou a fazer sentido.
Celebridades porto-riquenhas reagiram com fúria, enquanto Trump discursava na arena do Madison Square Garden. Com 18 milhões de seguidores, o cantor Ricky Martin escreveu: "É isso que eles pensam de nós. Vote em @kamalaharris."
Vencedor de três Grammy, o rapper Bad Bunny compartilhou um vídeo de Kamala para seus 45 milhões de seguidores, em que ela criticava a atuação de Trump durante o furacão, seguido por Jennifer Lopez e Luis Fonsi.
A reação negativa veio também de líderes republicanos, especialmente os vinculados à comunidade latina, que tentaram reparar o estrago do comediante. O senador Rick Scott disse que a "piada" de Hinchcliffe fracassou por um motivo. "Não é verdade, não é engraçada. Os porto-riquenhos são pessoas incríveis e americanos incríveis".
A congressista Maria Salazar, da Flórida, se declarou enojada: "Essa retórica não reflete os valores do Partido Republicano. Porto Rico enviou mais de 48.000 soldados para o Vietnã, com mais de 345 Purple Hearts concedidos. Essa bravura merece respeito. Eduque-se!"
Assim como o comediante, outros oradores no Madison Square Garden reforçaram a retórica de ofensas misóginas e racistas contra Kamala Harris, chamada de anticristo e comparada a uma prostituta. O apresentador de extrema direita Tucker Carlson inventou uma identidade racial para a candidata, chamando-a de "a primeira ex-promotora da Califórnia samoana-malaia e de baixo QI a ser eleita presidente."
Lotar o Madison Square Garden era uma questão de honra para Trump, que perdeu em seu estado natal em 2016 e 2020 e, na atual campanha, está 15 pontos atrás de Kamala.
Quando o ex-presidente subiu ao palco, seus convidados já tinham feito o trabalho sujo, embora, desta vez o efeito tenha sido o de um bumerangue. Reverberou em um terreno sensível, o da Pensilvânia. A oito dias do dia eleição, conforme resumiu o estrategista David Plouffe, um dos principais conselheiros da vice-presidente, "o momento certo é tudo".