G1 - Paraíba
José de Arimateia tinha 8 anos quando a mãe foi assassinada, em 12 de agosto de 1983. José de Arimateia com a mãe, Margarida Maria Alves, na década de 1980 Arquivo pessoal/José de ArimateiaA morte de Margarida Maria Alves completa 38 anos nesta quinta-feira (12). A paraibana e sindicalista de Alagoa Grande foi assassinada com um tiro de espingarda no rosto disparado por um matador de aluguel, em 12 de agosto de 1983. José de Arimateia é filho único de Margarida e tinha 8 anos quando a mãe foi morta. Ele chegou a vê-la ensanguentada, após o disparo. “Estava brincando na rua da nossa casa, quando ouvi o estampido do tiro. Corri para casa, quando me deparei com o seu corpo totalmente ensanguentado”, relembrou. Margarida Maria Alves foi a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande. Durante 12 anos na presidência da entidade, lutou para que os trabalhadores do campo tivessem seus direitos respeitados. As denúncias de abusos e desrespeito aos direitos dos trabalhadores nas usinas da região, feitas por Margarida Alves, resultaram no seu assassinato, encomendado por fazendeiros.José costumava acompanhar a mãe em todas as atividades do sindicato. "Eu vivia agarrado na barra da saia dela ou vestido". Com a infância interrompida pela tragédia, José de Arimatéia cresceu desejando vingança e conta que chegou a desenvolver alcoolismo. Ele foi morar no Rio de Janeiro, onde viveu por alguns anos, mas retornou à Paraíba. Atualmente, vive em João Pessoa com a esposa e quatro filhos. Saudável e sem vícios, José busca levar adiante o legado da mãe. "Hoje a minha militância é manter vivo o legado e memória de minha mãe", disse. José de Arimateia com a esposa AnistelaJosé de Arimateia/Arquivo pessoal Estado brasileiro paga indenizaçãoEm novembro de 2019, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), determinou que José de Arimateia ganhasse uma indenização de R$ 431 mil, sendo R$ 181.720 a título de reparação econômica e R$ 250 mil por danos morais pela morte da mãe, paga pelo Estado brasileiro.Margarida Maria Alves teve sua condição de anistiada política do regime militar reconhecido, e esse ato concede ao anistiado e seus dependentes econômicos o direito à devida reparação pelos danos causados em decorrência da perseguição política.Os assassinos de Margarida nunca foram condenados e, dos envolvidos, apenas Zito Buarque foi julgado. Ele ficou preso por três meses, tendo sido absolvido em 2001, em João Pessoa.Legado de Margarida Maria AlvesLíder sindical Margarida Maria Alves foi assassinada em 1983 por motivos políticos, na ParaíbaTV Cabo Branco/ReproduçãoA historiadora Ana Paula Romão pesquisa memórias camponesas, educação das relações étnico-raciais e ensino de história. Ela explica que a luta de Margarida Maria Alves era pelos direitos trabalhistas do campo, pela educação e pelas mulheres. “Ela lutou muito pelo direito à carteira profissional, à carteira de trabalho, documentos do trabalhador do campo. Ela fundou o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural junto com Paulo Freire. Ela também fundou o movimento Mulheres do Brejo”. O legado da paraibana incentiva a luta pelos direitos até hoje. A Marcha das Margaridas, por exemplo, acontece desde 2000 e reúne centenas de mulheres do campo em Brasília. Marcha das Margaridas leva trabalhadoras rurais de todo o país para a Esplanada dos Ministérios; foto registra ato em 2019Afonso Ferreira/G1/Arquivo Para Paulo Germano, procurador do Ministério Público do Trabalho na Paraíba (MPT-PB), as causas pelas quais Margarida lutava continuam necessárias, pois muitos trabalhadores do campo ainda não têm seus direitos respeitados. Sertão tem maior número de resgatados de trabalho escravo na ParaíbaParaibanos resgatados de trabalho escravo contam como era a rotina no campo“As causas do assassinato de Margarida e dezenas de lideranças dos trabalhadores rurais, nas últimas décadas, continuam atuais na zona rural do país. Margarida quis apenas que a legislação trabalhista fosse cumprida no campo. Hoje, milhões de rurícolas continuam sem carteira assinada e registro, à margem do sistema previdenciário e trabalhando com agrotóxicos sem o uso dos EPIs. Só a organização dos trabalhadores, como lutou Margarida, pode avançar esse processo e superar o atraso nas propriedades rurais, sobretudo no Norte e Nordeste brasileiro”, explicou. Dia Estadual das Defensoras e Defensores dos Direitos HumanosEm homenagem a Margarida Maria Alves, a Paraíba instituiu o dia 12 de agosto como “Dia Estadual das Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos". A lei de autoria da deputada Estela Bezerra foi publicada na edição do dia 20 de abril, no Diário Oficial do Estado (DOE).Vídeos mais assistidos do G1 Paraíba