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Cuidados paliativos: Médico e familiares de pacientes com doenças incuráveis falam sobre tabus e dignidade

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Por Jr Blitz 04/08/2024 às 06:33:14
Tratamento é importante para dar dignidade aos pacientes de doenças incuráveis. Apesar dos cuidados paliativos ainda serem um 'tabu', familiares que optaram pelo tratamento falam que não se arrependem da decisão

Arquivo Pessoal

Paliar, palavra derivada do latim pallium, significa proteger. A proteção é uma forma de cuidado que visa amenizar a dor e o sofrimento.

Na medicina, os cuidados paliativos são uma opção para colocar essa proteção em prática, mas ainda é considerado um 'tabu' não só para os pacientes, quanto para os profissionais. Afinal, quem gosta de pensar na morte? No entanto, o tratamento é importante para dar dignidade aos pacientes de doenças incuráveis.

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"Acho que as pessoas se assustam porque elas ainda têm o conceito de que cuidados paliativos é quando você não tem mais nada a fazer, mas é justamente o contrário disso", disse o médico e diretor do Hospital SerPiero, Marcelo Noronha.

O profissional justificou e apontou a responsabilidade da equipe médica: "É quando você tem muito a fazer. Talvez não mais pela doença, mas pelo doente e pela família". Noronha ressaltou a importância de se criar uma consciência de que nem todas as doenças têm cura.

"É você dar ao paciente, em primeiro lugar, dignidade. Não invadir o paciente, não fazer no paciente medidas invasivas que vão trazer sofrimento sem mudar o prognóstico" (leia mais abaixo).

A advogada Inês Maria Toss, de 75 anos, emagreceu muito em um mês, passou a não se sentir bem e ficou com a pele amarelada. Após uma ressonância magnética em uma ida ao pronto-socorro, descobriu que estava com metástase e foi imediatamente internada.

De acordo com a professora Denise Toss, de 55 anos, a internação da mãe ocorreu em 10 de julho. Na ocasião, a médica do hospital questionou o que ela gostaria que ela fizesse e se queria que realizassem uma biópsia para descobrir a origem do câncer: mama ou fígado.

Inês e a filha Denise antes do diagnóstico da doença de metástase de câncer

Arquivo Pessoal

Como teve um contato anterior com o hospital de transição em Santos, Denise pediu para que a oncologista providenciasse a transferência da mãe à unidade, onde permaneceu durante três dias antes de morrer, em 16 de julho.

"Quando conheci [o hospital de transição] achei tudo lindo, mas ainda tinha aquele conceito de esperar nunca ter que usar. Senti na pele o que é você precisar, ter alguém que você ama indo embora e você ter pessoas técnicas e humanas que te orientam como você deve agir, que cuidam", disse.

O hospital específico de cuidados paliativos proporcionou qualidade no final da vida da advogada. "Foi muito importante para ela e, consequentemente, toda família ter esse final dela com essa atenção que não estava tendo e não teria em outro hospital".

Apesar do assunto ser mórbido, Denise afirmou que é algo necessário e que deve ser divulgado para que as pessoas tenham conhecimento. "As pessoas não se preparam para isso, a gente não se prepara à morte. [...] A família não aceita a morte".

A professora disse que ficou claro à família que acertaram na escolha em transferir a mãe para receber cuidados paliativos no hospital. "A gente tem que tirar esse medo de aceitar isso. É dar qualidade de vida independente de quanto vai durar essa vida e esse hospital faz a entender isso."

Inês sendo visitada pelo bisneto no Hospital SerPiero, durante cuidados paliativos, antes de morrer, em Santos (SP)

Arquivo Pessoal

Não pensou duas vezes

A jornalista Gabriela Nebot, de 49 anos, disse que não pensou duas vezes para transferir a mãe, de 79, que estava com câncer de garganta e um foco da doença no pulmão, para o hospital de cuidados paliativos após recomendação do plano de saúde.

"Chegou em um determinado momento que a equipe médica veio conversar comigo falando que o quadro era grave, que a função renal já não estava funcionando e que não tinha como mantê-la no hospital porque nenhum tratamento reverteria o quadro", disse.

Gabriela disse que a mãe, que era ex-fumante, tratou o câncer de garganta com radioterapia durante um ano e melhorou, mas que em janeiro deste ano teve um quadro de infecção, onde descobriu a doença. "Foi a melhor experiência que eu tive na minha vida e a mais desafiadora ao mesmo tempo".

Rosa Nebot recebeu cuidados paliativos em hospital de transição, em Santos (SP)

Arquivo Pessoal

Ela contou que teve amparo que nunca imaginou no hospital de transição. "O motivo que minha mãe entrou lá, a gente sabia que não sairia. A gente só não sabia quanto demoraria esse processo, se seria uma semana, um mês, três meses, cinco meses".

Apesar de ter pensado em encaminhar a mãe aos cuidados paliativos sem pensar duas vezes após sugestão do convênio, Gabriela disse que nunca passou pela cabeça dela que fosse acompanhar a finitude da mãe em um hospital de transição.

"Nós acompanhamos todo o processo dela até a morte. A gente podia ficar lá 24h, não tem nenhuma restrição. Acho que não poderia ter proporcionado para ela nada melhor nesses 12 dias que ela ficou", disse.

Cuidados paliativos ????

O médico Marcelo Noronha afirmou que os cuidados paliativos visam não deixar o paciente sentir dor e falta de ar, ou seja, deixá-lo confortável no ambiente hospitalar. "Cuidar para que a família tenha junto desses pacientes os melhores momentos que puder ter dentro dessa situação".

De acordo com ele, é importante que a equipe de cuidados paliativos seja bem treinada e composta por vários profissionais, não apenas o médico, mas enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e psicólogos. "É cuidar do paciente como um todo, não só da doença".

Noronha explicou que, no ano passado, a disciplina de cuidados paliativos entrou na grade curricular dos cursos de medicina no Brasil. "O paliativista tem que ter o título da Sociedade Brasileira de Cuidados Paliativos". O profissional atua em conjunto com a equipe para que o paciente não tenha dor.

"É importante que a gente tenha essa ciência e ideia de cuidados paliativos mudando a mentalidade dos profissionais de saúde do Brasil porque mesmo dentro das equipes em hospitais, às vezes os médicos não entendem muito bem o que significa", disse.

Estrutura do hospital de transição em Santos (SP)

Hospital SerPiero/Divulgação

De acordo com Noronha, não são apenas os pacientes oncológicos que podem demandar os cuidados paliativos, mas qualquer doença que ameace a vida, como Parkinson, Alzheimer, casos graves de Acidente Vascular Cerebral (AVC), entre outras.

"Todos nós vamos envelhecer e um dia vamos morrer de diversas causas e é muito bom a gente saber que hoje no mundo isso vem se disseminado para trazer conforto e qualidade de vida às pessoas", disse.

Entenda os termos usados na medicina:

Eutanásia: Imputar um método ou fazer alguma coisa para tirar a vida de um paciente;

Ortotanásia: Não fazer procedimentos que vão causar mais sofrimento no paciente;

Distanásia: Imputar um procedimento que cause mais sofrimento no paciente.

"A eutanásia não é legal no nosso país. Aqui está legalizada a ortotanásia, que é quando você não faz mais nada que vá trazer sofrimento para o paciente. Então imagina um paciente com 90 anos, com câncer terminal, você não vai entubar esse paciente e levar à UTI", explicou.

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Fonte: G1

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