Avistamento das espécies diminuiu de 30 a 50% nos últimos cinco anos. Levantamento demonstrou estabilidade na população do peixe mero. Há 13 anos pesquisadores-mergulhadores do Programa de Recuperação da Biodiversidade Marinha (Rebimar) têm mapeado e monitorado a vida marinha nos litorais de São Paulo e Paraná
Robin Loose
Um mergulho pelas profundezas do mar, habitado por diversidade extraordinária de peixes recifais, revela um mundo de mistérios e cores vivas. Desde 2011, pesquisadores-mergulhadores têm mapeado e monitorado a vida marinha ao longo dos litorais de São Paulo e Paraná.
Conduzida pelo Programa de Recuperação da Biodiversidade Marinha (Rebimar), em parceria com a Associação MarBrasil, a pesquisa vem revelando segredos e desafios enfrentados pelos ecossistemas marinhos. Um exemplo disso é a redução alarmante de cardumes de garoupas (Epinephelus marginatus) e badejos, identificada no último levantamento, realizado de 2022 a 2023.
No caso dos badejos, as espécies que tiveram redução são: badejo-mira (Mycteroperca acutirostris), o mais popular dos badejos, badejo-quadrado (Mycteroperca bonaci) e badejo-de-areia (Mycteroperca microlepis).
Badejo-mira (Mycteroperca acutirostris) é uma das espécies que os pesquisadores identificaram redução nos cardumes
Bernard Picton/iNaturalist
Essa diminuição deve ser avaliada com atenção, pois são espécies que ocupam o topo da cadeia alimentar e desempenham um papel crucial na regulação populacional de outras espécies menores. Ainda não dá para precisar as reais causas dessas reduções, mas possivelmente seja a pesca ilegal
Apesar da redução de garoupas e badejos, os pesquisadores consideram como positiva a estabilidade no tamanho populacional do mero (Epinephelus itajara), espécie que frequenta águas costeiras e que sofre ameaças da pesca predatória e da poluição marinha.
Segundo Cattani, características inerentes da espécie, como crescimento lento, idade tardia de maturação e formação de agregados reprodutivos, além do comportamento dócil perante aos humanos, potencializaram esse quadro de ameaça.
"Somado a estes fatores, a destruição de ecossistemas de manguezais, que oferecem abrigo e alimento para os juvenis e de ambientes recifais, que são locais de agregação reprodutiva também contribuem para o declínio das populações", afirma.
O Mero é uma espécie classificada pela União Internacional para a Conservação da Natureza como vulnerável
Projeto Meros Brasil/Divulgação
Comparando com dados da literatura científica, Cattani demonstra certa preocupação uma vez que os agregados reprodutivos avistados estão em quantidade menor que o esperado, com a ocorrência de no máximo 15 indivíduos, sendo que há registros de agregados com a ocorrência de 40 a 50 indivíduos.
"Acreditamos que sua manutenção se deve a vários fatores, em especial pela conservação dos manguezais do entorno, cujo mero utiliza esse ambientes nas fases juvenis, onda há proteção contra predadores e disponibilidade de alimentos", aponta.
Peixes recifais
De acordo com o pesquisador, os peixes recifais desempenham papéis cruciais na manutenção do equilíbrio ecológico, além de sustentarem atividades econômicas vitais, como a pesca comercial e o turismo de observação marinha.
Os peixes recifais desempenham papéis cruciais na manutenção do equilíbrio ecológico
Gabriel Marchi
"O termo 'recifal' é utilizado pelos cientistas como referência aos substratos consolidados, ou seja, fundos rochosos formados por pedras ou por organismos vivos, a exemplo dos recifes de corais. Portanto, os peixes recifais são espécies de peixes que habitam ambientes submersos rochosos, tais como os recifes de coral, costões rochosos e rochas (lajes e parcéis)".
Cattani explica que, ao longo da evolução, os peixes recifais se diferenciaram dos demais peixes por desenvolverem adaptações específicas para viver em ambientes rochosos, como corpos achatados para se moverem facilmente entre as fendas, cores brilhantes para comunicação e camuflagem, e comportamentos territoriais para defender áreas de alimentação ou reprodução.
Os peixes recifais se diferenciaram dos demais peixes por desenvolverem adaptações específicas para viver em ambientes rochosos
Robin Loose
Metodologias para monitoramento
O Rebimar adota duas metodologias complementares para um monitoramento mais abrangente e preciso da biodiversidade marinha.
A primeira delas é o mergulho científico, utilizando o rebreather, um equipamento de mergulho que permite aos mergulhadores permanecerem por mais tempo para a contagem de espécies, com menor interferência no ambiente, por gerar menos ruídos do que um equipamento convencional de mergulho.
Pesquisador-mergulhador em expedição de censo visual de peixes
Gabriel Marchi
A segunda metodologia utilizada é mais recente e diz respeito ao uso de equipamentos que registra imagens de forma automática, sem interferência humana, como é o caso do BRUV (Stereo Baited Remote Underwater Video).
"O BRUV é um equipamento que não precisa da presença do mergulhador e que permite identificar e quantificar espécies de peixes ocorrentes na área e avaliar como elas interagem com os meros", destaca Cattani.
Conexões entre recifes naturais e artificiais
Segundo o oceanógrafo, o monitoramento não inclui somente os peixes recifais, mas também os organismos que se incrustam nas rochas, conhecidos como fauna incrustante.
Mero nos recifes artificias marinhos, estruturas de concreto cujo objetivo é produzir um ecossistema recifal,
Robin Loose
Esse monitoramento começou ainda na primeira fase do Programa Rebimar, executada entre os anos de 2009 e 2011, incluindo as ilhas oceânicas do sul de São Paulo (Ilha do Castilho e Ilha da Figueira) e as ilhas do litoral paranaense (Parque Nacional da Ilha dos Currais e Ilha de Itacolomis).
"Na época, instalamos mais de 3 mil recifes artificias marinhos, que são estruturas de concreto que tem por finalidade produzir um ecossistema recifal, bem como promover o ordenamento da atividade pesqueira pela limitação da atuação da frota pesqueira de grande escala, que efetua a 'pesca de arrasto com portas', voltada para a captura de várias espécies, em especial para espécies de camarão".
O pesquisador reforça que a pesca de arrasto, se realizada em grande escala, tem um impacto negativo grande no ambiente marinho pelo fato de ser uma pesca com baixa seletividade.
"Nesse caso, há a captura de organismos não alvo da pesca, que acabam sendo descartados, bem como o impacto físico no sedimento arenoso, que possui uma fauna associada específica a esse ambiente", diz.
Ambiente subaquático do Parque Nacional Marinho das Ilhas dos Currais, no Paraná
Gabriel Marchi
O censo aquático nos litorais de São Paulo e Paraná não apenas revela os desafios enfrentados pela biodiversidade marinha, mas também inspira cada vez mais pessoas a preservar os animais e plantas que habitam o oceano e tanto nos encantam.
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Fonte: G1