Secretaria da Segurança Pública autorizou os PMs a também registrem os chamados termos circunstanciados (TCs) nos batalhões do estado. Sindicato dos delegados viu decisão com preocupação. Governador afirmou que medida tem previsão judicial. Tarcísio após leilão na BR
Marcelo S. Camargo/Secom/GESP
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), negou nesta sexta-feira (19) que exista uma divisão entre policiais civis e militares no estado, após decisão da Secretaria de Segurança Pública (SSP) de autorizar que PMs também registrem os chamados termos circunstanciados (TCs) nos batalhões do estado.
Os TCs são os registros de ocorrências de menor gravidade e que, atualmente, são de responsabilidade da Polícia Civil.
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Conforme o g1 publicou, entidades de classe e representantes da Polícia Civil tem declarado publicamente o descontentamento com a medida e dizem que o registro de TCs é uma atribuição constitucional exclusiva da Polícia Civil.
Segundo a presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp), a decisão é vista com preocupação entre os policiais civis.
"As forças de segurança precisam trabalhar em sintonia e harmonia. À Polícia Civil cabe o papel de investigar e de promover operações. À PM o trabalho nas ruas, de patrulhamento ostensivo e preventivo. Quando o estado passa a transferir atribuições da Civil para a Militar, a própria PM fica sem fazer o que, prioritariamente, é de sua alçada", disse Jacqueline Valadares.
Após o leilão da EMAE nesta sexta-feira (19), Tarcísio afirmou que não pretende recuar da medida e disse que ela é necessária para manter mais policiais militares trabalhando nas ruas, no policiamento ostensivo nas cidades do estado.
"Não tem racha nenhum. Não existe racha entre as polícias [...] O que a gente está preocupado é em manter mais efetivo. Melhorar o policiamento ostensivo, ter mais gente na rua, não perder tempo. Não desmobilizar uma guarnição para ter que cumprir essa questão do boletim de ocorrência. Vários estados já deram esse passo, 17 estados, e a gente está querendo dar esse passo também. É razoável, já foi discutido. Tem acordo com a direção da Polícia Civil", declarou.
Na visão do governador, já há jurisprudência no Supremo Tribunal Federal (STF) que protege a medida tomada pela gestão dele no estado de São Paulo e, portanto, não pretende recuar da ideia.
"Não há crise nenhuma, não há problema nenhum. É um passo importante, que tem previsão em termos de previsão judicial. Nós já temos duas leis que já foram julgados nesse sentido pelo Supremo, dando essa possibilidade. (
) Repito: isso foi muito negociado com a direção da Polícia Civil. Esse passo que nós estamos dando já foi dado por 17 estados da federação. Não tem novidade nenhuma", afirmou.
O governador paulista também declarou que as recentes decisões da gestão de Guilherme Derrite na pasta da Segurança Pública (SSP) não são de favorecimento exclusivo à Polícia Militar, em detrimento dos policiais civis, como a categoria tem verbalizado publicamente.
Na visão do governador, trata-se apenas de medidas para melhorar a presença da Polícia Militar nas ruas no combate aos crimes diários registrados em todo o estado.
"Não é questão de dar mais poder, é questão de melhorar o policiamento ostensivo. Para delito de menor relevância é ruim desmobilizar uma guarnição, levar para uma delegacia de polícia e passar horas ali pra fazer um boletim de ocorrência. Nós estamos fazendo é melhorar o termo circunstanciado e isso deixa efetivo maior na rua", afirmou.
Além da PM, o governo também quer que os policiais penais façam os termos circunstanciados em ocorrências de menor porte nas penitenciárias.
Além dos TCs
A recente exclusão da Polícia Civil nas operações em conjunto com o Ministério Público na desarticulação de empresas ligadas ao Primeiro Comando da Capital (PCC) também abriu um flanco de descontentamento na corporação em relação à gestão do secretário Guilherme Derrite (PL).
Representantes de sindicatos e delegados da categoria reclamam que, desde que chegou à pasta, Derrite – que é capitão reformado da Polícia Militar - tem privilegiado os investimentos na PM, em detrimento à Polícia Civil.
Decisão da SSP desagrada Polícia Civil
A delegada Jacqueline Valadares também destaca que o próprio Derrite, quando assumiu a SSP, prometeu uma integração entre as Polícias Civil e Militar e o tratamento igualitário das duas instituições.
"Essas decisões não são novas. Basta lembrar que no ano passado, a secretaria anunciou um aumento de salário para a categoria, optando por um reajuste muito maior para os policiais militares. Esses atos podem fragilizar ainda mais a estrutura policial como um todo. A população, que reclama tanto da insegurança, vai ser a mais prejudicada", disse a presidente do Sindpesp.
"Cabe à secretaria unir as forças policiais e não confundir o trabalho das duas corporações, definidos pela Constituição Federal", declarou.
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O delegado Palumbo, deputado federal pelo MDB e representante dos policiais civis no Congresso, diz que Derrite está "usurpando a função dos policiais civis".
"É um absurdo a Polícia Militar fazer TC. Isso é uma usurpação de função pública da Polícia Civil. Falta patrulhamento nas ruas de SP e eles ainda querem fazer a função de outro grupo. O secretário tem que colocar mais policiais na rua e não colocar a Polícia Militar para fazer o trabalho da Civil", disse.
"Um delegado não pode oferecer uma denúncia criminal porque esse é papel do promotor. E um oficial da polícia militar não pode e não deve querer usurpar a função de um delegado ou escrivão, por exemplo", completou.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que "o atual governo reconhece e valoriza as suas polícias de forma igualitária" (veja nota completa abaixo).
Reações da categoria
Por causa da polêmica, a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol do Brasil) notificou Guilherme Derrite sobre o que a entidade chama de "ilegalidades relacionadas a medidas institucionais recentemente implementadas no âmbito da Segurança Pública do Estado".
"Causa perplexidade anúncios veiculados na imprensa dizendo que o governo de SP está atribuindo competência investigativa da Polícia Civil à Polícia Militar. (...) Não cabe à Polícia Civil, pela Constituição, a função de polícia ostensiva e preservação da ordem pública. De igual modo, não cabe à Polícia Militar o cumprimento de mandados de busca e apreensão, atividades de polícia investigativa ou de Polícia Judiciária", afirmou a entidade.
Segundo o Sindpesp, a justificativa da SSP para autorizar a PM a registrar os termos circunstanciados é de que os policiais militares em serviço têm passado muitas horas nas delegacias para registrar esse tipo de ocorrência, impactando no trabalho de rua da corporação.
Os delegados Jacqueline Valadares (Sindpesp) e Palumbo, deputado federal pelo MDB.
Montagem/g1/Divulgação/Câmara dos Deputados
Porém, Jacqueline Valadares afirma que a demora se deve ao alto déficit de policiais civis em São Paulo.
"Nós temos um déficit de mais de 17 mil profissionais. Ou seja, a categoria está trabalhando com um efetivo 40% menor. Há duas semanas, a secretaria decidiu que não convocaria os quase 3.900 concursados de 2022. Só parte deles, cerca de 3.100. Sem reposição de pessoal, é impossível os policiais darem conta das demandas diárias", declarou.
"Essa desculpa que eles dão não se justifica porque, agora, o pm vai ficar horas no batalhão, né? Porque alguém vai ter que fazer esse serviço [de registrar a ocorrência]. Vão tirar os policiais da rua para fazer esse trabalho e vão ficar horas no batalhão igualmente... Esses argumentos não se sustentam para essa usurpação de função pública", declarou o delegado Palumbo.
"Quando você aumenta o salário de um acima do salário de outro, é como se você pegasse dois filhos e desse um presente mais caro para um e, para o outro, um presente inferior. É absurdo o que estão fazendo. A Polícia Civil está sucateada, tem um monte de viatura nova da Polícia Militar e não tem da Civil. As delegacias estão capengando, falta policiais, falta estrutura, falta manutenção de viatura, falta verba. Situação geral muito ruim. Não dá para eu ficar em silêncio", declarou o deputado federal.
Audiência com o governador
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, durante entrevista coletiva em julho de 2023.
RONALDO SILVA/PHOTOPRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
O Sindpesp enviou em 28 de fevereiro um pedido de audiência de várias entidades da categoria com o governador Tarcísio de Freitas, a fim, segundo eles, de levar as demandas da categoria direto ao governador "sem intermediários".
A audiência, contudo, não foi agendada ainda pelo Palácio dos Bandeirantes.
"O que a categoria comenta é que existem dois filhos na Secretaria da Segurança: um filho está sendo preferido com muitos investimentos [Polícia Militar], e o outro preterido [Polícia Civil]. É o que se ouve o tempo todo entre os colegas", afirmou a presidente do Sindpesp.
Em nota, o governo de São Paulo afirmou que atendeu ao "referido pedido de audiência no último dia 8. Na ocasião, o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, se reuniu com os representantes do sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo. No fim de fevereiro, integrantes do governo estadual já haviam se reunido com os sindicalistas."
Polícia Civil de SP entre as mais mal pagas do Brasil
As remunerações de policiais civis e policiais penais no estado de São Paulo estão entre as mais baixas do Brasil, apontou o 'Raio-X dos profissionais de segurança pública', estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgado em fevereiro.
O salário bruto médio de um policial civil no Brasil é de R$ 13.342,36, considerando as carreiras de escrivão, investigador e delegado.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou, em nota, que a valorização dos salários das forças de segurança foi uma das prioridades da gestão e que, assim que tomou conhecimento da situação, propôs reajuste de 13% a 31% para as carreiras policiais. Disse também que os servidores da Secretaria de Administração Penitenciária tiveram reajusta acima da inflação em 2023, com 6% de aumento.
Em 2023, a remuneração média nacional de um investigador foi de R$ 11.704,41;
Em São Paulo, investigadores receberam R$ 9.830,92 por mês, em média (o 7º pior salário do Brasil);
Valor menor do que foi pago, por exemplo, no Acre (R$ 9.890,39), em Minas Gerais (R$ 10.110,94) e no Rio Grande do Norte (R$ 10.353,97);
Investigadores do Amazonas (R$ 21.831,49) receberam R$ 12 mil a mais do que os paulistas;
A menor remuneração foi encontrada no Paraná (R$ 8.947,74);
O que diz a SSP
"A Polícia Militar realiza estudos para implementar medidas administrativas visando à elaboração do termo circunstanciado de ocorrência (TCO), conforme previsto na Lei Federal 9.099/95 e decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (ADIs 5.637, 6.245 e 6.264), medida já adotada em 17 estados brasileiros e autorizada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O objetivo é agilizar o atendimento ao cidadão, otimizar recursos e fortalecer as investigações da Polícia Civil em crimes de maior potencial ofensivo, sem comprometer o policiamento preventivo e ostensivo.
Quanto à operação citada, a SSP incentiva a integração das forças de segurança para enfrentar o crime organizado, promovendo parcerias e ações conjuntas entre a Polícia Militar, Polícia Civil e outros órgãos, como o Gaeco. Essa colaboração não inviabiliza o trabalho da Polícia Civil, que mantém suas investigações em andamento em todo o estado de São Paulo.
Valorização policial:
O atual Governo reconhece e valoriza as suas polícias de forma igualitária. Prova disso, foi o reajuste salarial médio de 20,2%, acima da inflação de 4,65% no acumulado segundo IPCA, considerado um feito inédito para um primeiro ano de gestão entre as administrações paulistas mais recentes."