Os processos que envolvem o Hospital Padre Zé, em João Pessoa, podem ser assumidos pela Justiça e Polícia Federal. A informação foi revelada na manhã desta quinta-feira (22), com exclusividade pelos apresentadores Samuka Durante e Diego Lima, no programa de rádio Paraíba Verdade, do Sistema Arapuan de Comunicação. Entenda.
O caso Padre Zé tomou uma grande repercussão após a prisão do Padre Egídio, apontado pela investigação do Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO) do Ministério Público da Paraíba (MPPB) como o "líder" de uma organização criminosa que desviou mais de R$ 140 milhões da unidade de saúde.
Entenda
De acordo com o documento em que o Portal Paraiba.com.br teve acesso, dois parlamentares paraibanos destinaram uma verba federal no valor de R$350.000,00 (trezentos e cinquenta mil) para a Prefeitura de João Pessoa, que posteriormente foi repassado para o Hospital Padre Zé. Jannyne Dantas e Amanda Duarte, ex-funcionárias da instituição, teriam supostamente praticado os crimes de peculato e de falsidade ideológica, "devido à compra e à posterior execução de um contrato de locação do veículo SPIN", apontam as investigações.
Ainda conforme o documento, tanto a compra do automóvel quanto os valores oriundos do contrato de locação são de recursos provenientes da União (verba parlamentar), o que denotaria a competência para a Justiça Federal, nos termos da Súmula 122 do STJ4.
Os políticos não estão sob investigação do MPPB, visto que, realizaram o repasse de verba de forma voluntária as instituições e aos órgãos. O GAECO investiga as ações e possíveis delitos praticados pelas ex-funcionárias.
O que diz o STJ
Conforme a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) , deve ser de competência da Justiça Federal apurar os desvios de recursos que envolve o Sistema Único de Saúde (SUS): Confira:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS DO SUS. INCOMPETÊNCIA. RECONHECIMENTO. TEORIA DO JUÍZO APARENTE. AVALIAÇÃO DA VALIDADE DA PROVA. ATRIBUIÇÃO DO JUIZ FEDERAL. AGRAVO PROVIDO.
1. Conforme se percebe em pesquisa, na jurisprudência desta Corte, tem-se entendido, de maneira ampla, que os desvios de verbas do Sistema Único de Saúde – SUS – atrai a competência da Justiça Federal, tendo em vista o dever de fiscalização e supervisão do governo federal.
2. Não obstante o reconhecimento da incompetência do Juízo estadual, os atos processuais devem ser avaliados pelo Juízo competente, para que decida se valida ou não aqueles atos até então praticados. Aplicação da Teoria do Juízo Aparente.
3. Agravo regimental provido, para reconhecer a incompetência absoluta da Justiça Estadual e determinar a remessa do feito à Justiça Federal.
Sobre fraude de licitação de verbas repassadas da União o STJ entende:
AGRAVO REGIMENTAL EM CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO PENAL. FRAUDE EM LICITAÇÃO MUNICIPAL PARA COMPRA DE MATERIAL MÉDICO-HOSPITALAR. DESVIO DE VERBAS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE -SUS. INTERESSE DA UNIÃO. FISCALIZAÇÃO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. SÚMULA N. 208/STJ. COMPETÊNCIA FEDERAL. NEGADO PROVIMENTO.
1. Esta Corte Superior consolidou entendimento de que, por estarem sujeitas à fiscalização dos órgãos de controle interno do Poder Executivo Federal, bem como do Tribunal de Contas da União, as verbas repassadas pelo Sistema Único de Saúde – inclusive na modalidade de transferência "fundo a fundo" – ostentam interesse da União em sua aplicação e destinação. Eventual desvio atrai a competência da Justiça Federal para conhecer da matéria, nos termos do art. 109, IV, da Constituição Federal. Precedentes do STJ. Na mesma linha, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: ARE n. 1.015.386 AgR, Relator (a): Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 21/9/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-206 DIVULG 27/9/2018 PUBLIC 28/9/2018; ARE n. 1.136.510 AgR, Relator (a): Ministro ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 24/8/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-187 DIVULG 5/9/2018 PUBLIC 6/9/2018; RE n. 986.386 AgR, Relator (a): Ministro MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 24/10/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-018 DIVULG 31/1/2018 PUBLIC 1º/2/2018.
2. O Plenário do Tribunal de Contas da União, por meio da Decisão-TCU n. 506/1997- Plenário assentou que, no âmbito do SUS, os recursos repassados pela União aos Estados e Municípios, seja por intermédio de convênio, fundo a fundo ou por qualquer outro instrumento legal, constituem verbas federais e, portanto, os serviços e ações de saúde decorrentes estão sujeitos à sua fiscalização.
Escândalo: Retrospectiva
O ex-diretor Padre Egídio de Carvalho Neto e as ex-funcionárias Jannyne Dantas e Amanda Duarte do Hospital Padre Zé, em João Pessoa, são investigadso pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público da Paraíba (MPPB), por desviar cerca de 140 milhões de reais da instituto de saúde. O religioso se envolveu em um grande escândalo de corrupção que se deu a partir de uma denuncia de roubo de celulares.
Tudo começou após o Padre Egídio realizar uma denuncia na Polícia Civil da Paraíba sobre o furto de alguns celulares que haviam sido doados pela Receita Federal, que culminou na prisão de Samuel Rodrigues Cunha Segundo, ex-funcionário do Hospital. Preso, Samuel delatou o grande esquema de desvios que existiam dentro da instituição de saúde.
O crime de furto nunca existiu, os aparelhos celulares foram retirados e vendidos a mando do religioso, oque contradiz a denuncia feito pelo mesmo a polícia.
O desvio
De acordo com as investigações do Gaeco, o esquema de desvios de recursos públicos é estimado em cerca de R$ 140 milhões. Esses desvios foram operacionalizados através do Instituto São José, responsável pelo Hospital Padre Zé, e da Ação Social Arquidiocesana, e ocorreram entre 2013 e setembro de 2023.
Os atos ilícitos investigados tiveram um impacto devastador em diversos programas sociais essenciais. Entre eles, a distribuição de refeições a moradores de rua, o amparo a famílias refugiadas da Venezuela, apoio a pacientes em pós-alta hospitalar, realização de cursos profissionalizantes, preparação de alunos para o ENEM, cuidados de pacientes com HIV/AIDS, entre outros. Além disso, as operações ilícitas afetaram gravemente o Hospital Padre Zé, comprometendo o atendimento a populações carentes e necessitadas.
O empréstimo milionário
As investigações sobre possíveis desvios de recursos doados para o Hospital Padre Zé, apuram a realização de dois empréstimos que juntos somam uma quantia de R$ 13 milhões, durante a gestão do ex-diretor, Padre Egídio. A informação foi confirmada pela Arquidiocese da Paraíba, durante a visita do Arcebispo Dom Manoel Delson.
A visita do religioso aconteceu no dia 10 de outubro e tinha "caráter social e religioso". O Arcebispo foi acompanhado pelo atual diretor do hospital Padre George Batista.
De acordo com informações da própria arquidiocese, foram realizados dois empréstimos em bancos diferentes. O primeiro no valor de R$ 600 mil reais e o segundo no valor de R$ 12,4 milhões. Os empréstimos foram realizados durante a gestão do ex-gestor Padre Egídio, que está na mira do Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (GAECO), por supostos desvios de recursos doados para a instituição.
Durante a coletiva de imprensa, o arcebispo comentou os desvios e afirmou que foi pego de "surpresa" com a operação, pois a arquidiocese não tinha informação sobre como funcionava a gestão financeira do hospital.
A granja avaliada em R$ 5 milhões
Duas piscinas, área de lazer, painéis de energia solar e muito mais. Estas são apenas alguns benefícios encontrados na granja do Padre Egídio, apontado como dono da propriedade segundo as investigações do Ministério Público da Paraíba (MPPB). A granja é localizada na cidade do Conde, na Região Metropolitana de João Pessoa, no Litoral do Estado. A propriedade é avaliada em mais de R$ 5 milhões e conta com oito apartamentos e até um pequeno espaço com mata.
Conforme as investigações, durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão, foram encontradas 11 propriedades atribuídas ao investigado, inclusive um apartamento na cobertura de um prédio na área nobre da praia de João Pessoa.
A Queda
O Gaeco e MPPB, cumpriu no dia 17 de novembro, mandados de prisão em desfavor do Padre Egídio, ex-diretor do Hospital Padre Zé, e mais duas ex-funcionária Amanda Duarte e Janine Dantas. A operação aconteceu na Paraíba e em Pernambuco.
O religioso se apresentou espontaneamente na sede do Gaeco em João Pessoa, após um contato dos agentes com os os advogados do padre. Ao passar pela audiência de custódia, a justiça manteve a prisão de Egídio e ele foi encaminhado para um presídio especial na Capital, onde está sob a disposição da Justiça.
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A organização
De acordo com a decisão judicial do mandado de prisão dos investigados que o Portal Paraiba.com.br teve acesso, o Ministério Publico Da Paraíba trata o esquema de desvios de recursos e doações da instituição de saúde como "organização criminosa" e coloca o suspeito Padre Egídio como um dos líderes desta organização. Veja o documento abaixo.
Conforme o documento, na página três, o MPPB considera que os atos praticados pelo "esquema" de desvios milionários eram praticados pelos próprios beneficiários e tinham a finalidade de destruir a unidade de saúde. "Os principais beneficiários de desvios milionários praticados por uma Organização Criminosa voltada ao esfacelamento de uma instituição de saúde voltada à garantia da saúde dos mais necessitados", diz trecho da decisão.
O líder
Segundo a decisão, assinada pelo desembargador Ricardo Vital de Almeida da 4ª Vara Criminal da Comarca da Capital, cita que é necessário a prisão de um dos líderes da "organização criminosa" para que o grupo não pratique os atos criminosos novamente. Logo, as investigações apontam que o religioso demonstrou um grande controle sobre a "organização criminosa". Segundo apurado pelo MPPB, conclui-se com a análise do papel de Egídio, o qual, operando com domínio do fato, demonstra um nível acentuado de periculosidade e controle sobre a organização criminosa.
"A prisão de um dos líderes da organização criminosa é necessária para garantia da ordem pública, ameaçada pela reiteração delitiva de seus membros, bem como para desestruturar o grupo criminoso, que há muito pratica crimes graves, a fi e obstar a continuidade dessas infrações penais em prejuízo da sociedade", diz trecho do documento.
O monarca e ditador
Testemunhas ouvidas revelaram, durante depoimento ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público da Paraíba (MPPB), que o padre Egídio de Carvalho, não gostava de ter suas decisões contestadas e agia como "verdadeiro monarca", sob pena de severas punições. Na ocasião, o órgão de investigação considerou o religioso como "ditador".
"Concretamente asseverando, muitas das pessoas ouvidas na fase investigatória afirmaram que Egídio funcionava como verdadeiro "Monarca", que não poderia ter contestada suas decisões, sob pena de severas punições. Funcionários do Hospital Padre Zé eram compelidos a acatar as ordens de Egídio, mesmo sabendo que manifestamente ilegais, para não serem prejudicados com uma demissão empregatícia. O perfil de ditador também foi destacado nos depoimentos colhidos, principalmente de que "tudo deveria ser do feito dele"", diz decisão.
Mensagens apagadas
Com a finalidade de se livrar das acusações, o Padre Egídio teria apagado inúmeras mensagens do seu celular antes de estrelar espontânea na sede do GAECO em João Pessoa, diz o documento do mandado de prisão.
De acordo o MPPB, uma grande quantidade de mensagens anteriores de setembro de 2023, foram apagadas, existindo apenas conversas posteriores do dia cinco de setembro de 2023. Além de deletar as mensagens, o investigado também trocou o número do celular durante as investigações.
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O Padre Egídio, realizou a entrega dos aparelhos junto com seus advogados, momentos depois em que foi deflagrado a Operação Pai dos Pobres, que investiga o sumiço de aparelhos celulares doados para o Hospital Padre Zé, com a finalidade de serem vendidos ou leiloados para arrecadar dinheiro para serem voltados a unidade de saúde.
Justiça bloqueia R$ 116 milhões dos investigados
O juiz da 4ª Vara Criminal de João Pessoa, José Guedes Cavalcanti Neto, decretou, no dia 18 de dezembro, a indisponibilidade de todos os bens do padre Egídio de Carvalho, e das duas ex-funcionárias do Hospital Padre Zé, Amanda Duarte e Jannyne Dantas. O montante bloqueado é de aproximadamente R$ 116 milhões. A decisão ocorre um mês depois da prisão do religioso, que está sendo investigado por supostos desvios milionários à frente hospital.
Habeas Corpus negado
O religioso teve quatro pedidos de Habeas Corpus negado. O primeiro pedido foi encaminhado ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e no dia 28 de novembro de 2023, foi negado pelo Ministro Teodoro Silva Santos. Não satisfeitos, os advogados recorreram ao Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB). No dia 4 de dezembro de 2023, o desembargador Ricardo Vital também negou o pedido pela segunda vez. O terceiro pedido de habeas corpus também foi negado pela ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 17 de janeiro.
Sete dias após o Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB), manter a prisão do Padre Egídio, no último dia 30 de janeiro, os advogados do padre entraram com um pedido de Habeas Corpus no dia 5 de fevereiro, no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), porém foi negado pela quarta vez no dia 10 de fevereiro pela corte.
O que diz a Igreja Católica?
A Arquidiocese da Paraíba, divulgou uma nota, a última sexta-feira (17), que diz estar consciente de suas responsabilidades e compromisso com a transparência e integridade, e cita que está colaborando com as "integralmente com as investigações em curso, respeitando o segredo de justiça estabelecido pelas autoridades competentes", diz pronunciamento.
A respeito de Egídio, a Arquidiocese informou que os procedimentos já foram instaurados. Nessa época o padre foi proibido de realizar missas e eventos religiosos.
"Reforçamos nosso compromisso com a transparência e manifestamos total apoio às autoridades competentes, colaborando de forma irrestrita para que toda a verdade sobre os eventos em questão seja esclarecida", finaliza nota.