Rastrear civis ucranianos em prisões russas é difícil, e mesmo quando uma pessoa é localizada, não existe um mecanismo formal para garantir a sua libertação. Mykyta desapareceu após ser detido por soldados russos. Sua família afirma que ele não fez nada de errado.
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Aviso: esta reportagem contém descrições de tortura
Volodymyr Buzynov procura seu irmão Mykyta há quase dois anos. Mykyta é um dos milhares de civis ucranianos detidos em prisões na Rússia e nos territórios ocupados por se oporem à guerra.
Mas sem indiciamento, investigação formal, julgamento ou data de libertação, a sua localização é um mistério e, ao contrário dos prisioneiros de guerra, não existe um mecanismo formal para garantir a sua liberdade.
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Quando a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022, os irmãos Buzynov, a sua mãe e a namorada de Mykyta fugiram da sua casa em Chernihiv, no norte do país, para evitar o conflito.
Eles foram para a aldeia de Mykhailo-Kotsiubynske, mas no início de março soldados russos também foram para lá. "Viemos para libertá-los do seu governo. Putin é bacana", exclamaram os soldados.
Volodymyr diz que os soldados revistaram a aldeia, confiscaram telefones e acusaram a sua família de compartilhar a localização do exército russo – algo que todos negam. Então, diz Volodymr, os soldados armaram o que parecia ser uma execução falsa.
"Eles levaram meu irmão Mykyta e outros para trás de algumas árvores e ordenaram que formassem fila contra uma parede, gritando: 'Preparar! Apontar!' Então eles pegaram a namorada de Mykyta, Kateryna, e a fizeram ela se ajoelhar ao lado dele. Apontando um rifle para sua cabeça, eles disseram ao meu irmão: 'Se você não confessar, nós atiraremos nela.'"
Volodymyr diz que foi a última vez que viu Mykyta. "Ele pode ter confessado para salvar a namorada, porque eles a soltaram. Eles nos disseram: 'Ele admitiu tudo. Ele pode pegar até 15 anos de prisão.'"
De acordo com o governo ucraniano, em novembro de 2023 havia 4.337 ucranianos em prisões russas. A maioria eram militares, mas 763 eram civis. No entanto, não existe uma lista oficial dos seus nomes e as autoridades ucranianas se baseiam em dados da Cruz Vermelha.
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A Cruz Vermelha nem sempre consegue ter acesso aos locais onde os ucranianos estão detidos na Rússia, muito menos a territórios ocupados, onde as instalações de detenção não oficiais podem incluir porões de hotéis e edifícios abandonados.
O Comissário do Parlamento Ucraniano para os Direitos Humanos, Dmytro Lubinets, afirma que o número de presos pode ser muito maior, com um total de civis desaparecidos estimado em 25 mil.
A BBC pediu ao Ministério da Defesa da Rússia que divulgasse quantos civis ucranianos estão detidos e onde estão detidos, mas não obtivemos resposta.
Segundo a lei russa, uma pessoa só pode ser detida durante 48 horas sem ordem judicial e os registros dessa prisão devem ser mantidos. No ano passado, o presidente russo, Putin, estendeu o período para 30 dias nas áreas ocupadas da Ucrânia por ofensas graves ou violação de proibições ou restrições de guerra.
Mas muitas vezes a hora, o local e os motivos da detenção não são registrados, não são abertos processos criminais ou administrativos e não são realizadas investigações, de acordo com documentos judiciais analisados pela BBC.
Anastasia Panteleyeva, da Iniciativa de Mídia para os Direitos Humanos (MIHR, na sigla em inglês), diz que a Rússia está justificando a detenção de civis ucranianos sob o termo amplo de "resistência à operação militar especial".
"Uma pessoa pode ser presa só porque as janelas da sua casa dão para uma área de potencial importância para os militares russos. E se os soldados levarem um tiro, a pessoa que mora nas proximidades será culpada", explica ela.
O Ministério da Defesa da Rússia argumenta que os ucranianos capturados estão "sendo detidos de acordo com os requisitos das Convenções de Genebra sobre o tratamento de prisioneiros de guerra".
As Convenções de Genebra proíbem a tomada de reféns, mas nada dizem sobre prisioneiros civis, apenas militares. As regras dizem que os não-combatentes só podem ser detidos "de acordo com as leis e regras do lado ocupante" e com a garantia de que serão submetidos ao processo penal padrão.
A advogada Polina Murygina, que ajuda presos com seu projeto Todo Ser Humano, diz: "Encontrar alguém no sistema, e ainda mais extraí-lo dele, é muito difícil. Nós nos deparamos com um paradoxo jurídico: é melhor que eles [as autoridades] pensem que você é um criminoso."
Quando uma pessoa é acusada ela aparece no sistema e tem direitos. Ou se ela for prisioneiro de guerra pode ser trocada. Mas os civis capturados acabam detidos sem defesa, acusação ou julgamento.
Procurando Mykyta
Desesperados para encontrar Mykyta, seus amigos e parentes começaram a usar o serviço de cartas das prisões, que permite enviar mensagens para algumas colônias penais e unidades de isolamento investigativo.
Por fim, receberam uma resposta confirmando que ele estava detido em um centro de detenção provisória chamado SIZO-3 em Belgorod, perto da fronteira com a Rússia. Mas quando um advogado foi visitá-lo, a prisão disse que não havia ninguém com esse nome.
Outro advogado, Leonid Solovyov, diz que isto é uma ocorrência normal: "Muitas vezes, chego e me dizem que a pessoa não está lá. Ou simplesmente não me deixam entrar. Ou dizem que a pessoa foi realocada. Você não pode ir lá e esperar poder verificar todas as celas. Você tem que confiar na resposta que recebe na porta ou, na melhor das hipóteses, no gabinete do chefe da prisão".
A BBC também tentou rastrear Mykyta. Escrevemos para SIZO-3, Colônia Penal 4, que também fica na região de Belgorod, e outras instituições onde ativistas de direitos humanos acreditam que prisioneiros ucranianos estão detidos.
A maioria das instituições respondeu que não tinha nenhum prisioneiro com as características de Mykyta. No entanto, SIZO-3 disse que a mensagem "passou pela censura e foi entregue ao destinatário" – isso pode significar que Mykyta estaria lá. Mas no dia seguinte, recebemos a mesma resposta da Colônia Penal 4.
A BBC conseguiu falar com ex-detentos. Muitas vezes, as suas histórias relatam um cenário sombrio. Um prisioneiro disse que os ucranianos nas prisões russas são tratados "como subumanos".
Anton Lomakin diz que foi espancado e enfrentou uma simulação de execução.
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Anton Lomakin, um policial em Kherson, não conseguiu fugir da Ucrânia quando a invasão russa começou. Ele se escondeu, mas no verão de 2022 ele também desapareceu e sua família não conseguiu encontrá-lo.
No caso de Anton, ele disse ter reunido algumas informações que repassou aos militares ucranianos. Ele diz que, depois de ter sido traído por um colega que lhe trazia suprimentos, foi capturado pelo exército russo e levado para um centro de detenção temporária em Kherson.
"Durante a viagem, eles usaram um taser nas minhas pernas e em outras partes do meu corpo. Eles encenaram uma execução simulada e me levaram para um buraco no chão. Eles me fizeram ajoelhar e me disseram para rezar."
"Eles carregaram suas armas e atiraram bem perto da minha orelha esquerda. Houve três ou quatro rajadas curtas. Então um celular tocou, eles colocaram no alto-falante e alguém do outro lado disse para não atirar em mim."
Quando Anton chegou ao centro, ele disse que foi interrogado, espancado, ameaçado e encharcado com água fria, quase o fazendo engasgar. Seu relato coincide com o depoimento de outros presos detidos na instituição na época em que a cidade de Kherson foi ocupada pelas forças russas.
"Uma vez, eles me disseram para levantar as pernas com os calcanhares para cima. Eu recusei. Eles apontaram uma arma para meus órgãos genitais e me deram uma escolha. É claro que escolhi levantar os pés", diz Anton.
"Eles pegaram dois cassetetes de borracha e espancaram meus calcanhares por um longo tempo. Sempre que eu abaixava os pés, era obrigado a levantá-los novamente. Caso contrário, eles batiam na minha cabeça e nas costas", lembra ele.
A BBC perguntou ao Ministério da Defesa da Rússia sobre o caso de Anton e aguarda uma resposta. A Rússia não reconhece a detenção de civis como prisioneiros e já negou anteriormente acusações de agressão ou crimes contra eles.
Anton diz que dividia uma cela com outros sete homens: um era um ex-policial ucraniano e outro morava no centro de Kherson, perto do prédio onde os militares russos estavam estacionados. Ambos foram acusados de serem agentes da inteligência ucraniana. Os outros companheiros de cela não souberam explicar por que foram presos.
Anton foi transferido duas vezes e sua família só conseguiu localizá-lo com a ajuda de um amigo que tinha passaporte russo.
Ele foi finalmente libertado após 104 dias, sem nenhum dinheiro e documentos.
Anton Lomakin diz que esta imagem mostra as condições nas celas onde foi detido.
SUSPILNE/TARAS IBRAGIMOV via BBC
A polícia ucraniana e o Gabinete do Procurador-Geral da Ucrânia consideram a detenção de civis um crime de guerra e estão envolvidos na busca de pessoas desaparecidas ou raptadas.
Irina Didenko, do Ministério Público, afirma que "90% dos detidos são submetidos a tortura".
No direito internacional, não existe um mecanismo específico para libertar civis do cativeiro. As Convenções de Genebra estabelecem que um combatente só pode ser trocado por um combatente – pode-se libertar um civil, mas não em troca de alguém que seja soldado.
"Potencialmente, a melhor forma de libertar e repatriar reféns civis pode ser através de um Estado terceiro", diz Didenko. Os países do Oriente Médio já negociaram trocas de prisioneiros de guerra, o regresso de crianças e civis deportados e a libertação de estrangeiros do cativeiro russo.
Quando se trata da Organização das Nações Unidas (ONU), os ativistas dos direitos humanos argumentam que os seus mecanismos estão ultrapassados. Segundo eles, as regras da ONU não cobrem este tipo de detento.
E para pessoas como Volodymyr, que sonha em rever seu irmão Mykyta mais uma vez, ele está perdendo rapidamente as esperanças. "Não há nenhum lugar que não tenhamos contatado", diz ele.
"Para começar, tínhamos a ilusão de que receberíamos ajuda de organizações internacionais. Mas tudo o que obtivemos delas foi: 'Registrado. Recebido.' Nunca fomos além disso."