A decisão do júri foi anunciada na noite da última terça-feira (14), após cerca de 15 horas de julgamento. Formado por um juiz, que o preside, e por sete pessoas escolhidas para compor o júri, o conselho de sentença do tribunal reconheceu, por maioria, a materialidade e autoria do crime, mas absolveu Edimilson.
Para a irmã de Gustavo, Yandra Rafaela Marques, o recurso é uma chance de dar ao adolescente um julgamento justo, o que a família entende que não ocorreu. "O normal é as pessoas poderem acompanhar qualquer julgamento do início ao fim. No [caso ] do Gustavo foi totalmente diferente. Havia amigos e parentes do meu irmão, gente que chegou cedo ao fórum e que não pôde entrar para acompanhar a audiência. A família só pôde entrar praticamente no final, quando a sentença estava para ser anunciada e o policial, absolvido", disse Yandra, acrescentando que nem mesmo sua mãe conseguiu assistir ao julgamento."Além disso, o policial simplesmente não precisou permanecer sentado na cadeira dos réus [durante a oitiva das testemunhas], como qualquer outra pessoa que esteja sendo julgada. Ele só retornou quando a juíza ia dar a sentença", acrescentou Yandra. "Para nós, foi tudo muito dolorido. Quando a juíza anunciou a absolvição, tivemos uma sensação parecida com a que sentimos no dia do velório do meu irmão. Uma sensação de impunidade."
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) não respondeu às críticas. Já o advogado Júlio Cesar de Souza Lima, que defende o policial, confirmou que pediu à juíza substituta Viviane Kazmierczak para que seu cliente fosse autorizado a deixar a sala durante a longa sessão de testemunhos.
"Esta é uma prerrogativa da defesa. O réu tem direito a, participando do julgamento, ouvir ou não os testemunhos. Como ele estava muito nervoso e teve inclusive que ser atendido pela equipe médica do tribunal, eu pedi isso, mas ele foi interrogado e respondeu a todas as perguntas que lhe foram feitas pela magistrada, pela acusação e pela defesa", sustentou o advogado.
O adolescente estava na garupa de uma moto quando foi atingido pelos tiros. De acordo com o defensor, para o júri, a ação que motivou o disparo policial foi deflagrada pelo piloto da moto e pela própria vítima. "O Edimilson [Júnior] estava devidamente fardado, fazendo abordagens legais, de rotina, no meio da via pública. O condutor da moto, em vez de frear, acelerou contra os policiais. E o garupa, ao passar próximo aos policiais, fez menção de colocar a mão na cintura, como se fosse sacar uma arma", detalhou Lima, confirmando que o simulacro supostamente encontrado próximo ao local da ocorrência já tinha sido descartado como prova.
"De fato, o objeto foi submetido à perícia e não foram encontrados vestígios de digitais nem dos garotos, nem dos policiais que o manusearam ao encontrá-lo durante uma varredura no local. Em nenhum momento os policiais falaram que o simulacro pertencia aos garotos", afirmou o advogado, dizendo não acreditar que um eventual recurso do MP resulte em uma sentença diferente da já proferida.
"A decisão dos jurados veio colocar uma pedra sobre o assunto. Não consigo enxergar a possibilidade de reforma desta decisão, por mais natural que seja o inconformismo da família [da vítima]. Guardadas as proporções, assim como a família [da vítima] sofreu e está sofrendo, o Edmilson também sofreu muito com tudo isso. Ele passou sete meses afastado [do serviço], em tratamento psiquiátrico. Foi acusado de ser um assassino, de matar um jovem pelo fato deste ser negro, periférico, mas nada disso procede e o júri entendeu que ele agiu em legítima defesa, no exercício legal de sua atividade. O fato é que o Edimilson é um policial com 13 anos de carreira que nunca cometeu qualquer infração disciplinar ou penal", destacou o advogado.
Entenda o caso
Gustavo Henrique Soares Gomes foi baleado na tarde de 28 de janeiro do ano passado. Segundo a PM divulgou à época, o adolescente estava na garupa de uma moto cujo piloto, Gustavo Matheus Santana da Silva, de 18 anos, não parou em um bloqueio policial montado em uma via de Samambaia, região administrativa do Distrito Federal a cerca de 40 quilômetros de distância do centro.
Ainda de acordo com policiais militares que participaram da abordagem, enquanto o piloto acelerava o veículo para escapar da blitz, Gustavo levou uma das mãos à cintura, como se fosse apanhar algo sob a blusa.
Edimilson alega que, sentindo-se ameaçado, disparou contra a dupla, em legítima defesa. Os advogados dele se basearam nessa versão para, no curso do processo, pedir que o caso fosse tratado como lesão corporal seguida de morte ou, no máximo, homicídio culposo (não intencional).
O projétil atingiu Gustavo, que foi levado à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Samambaia, mas não sobreviveu. No boletim de ocorrência, os policiais informaram que encontraram um simulacro de arma de fogo próximo ao local onde o adolescente baleado caiu.
Já Silva, que conduzia a moto, disse à Polícia Civil que não parou no bloqueio porque, além de não ter habilitação, o veículo estava em condição irregular, com problemas mecânicos. Segundo ele, nem ele, nem Júnior, seu amigo, portavam armas.
"A perícia não encontrou digitais nem do meu irmão, nem do Gustavo [Silva], no simulacro que os policiais apresentaram na delegacia horas depois [da ocorrência]. Além disso, todas as testemunhas confirmaram ter visto meu irmão segurando no ferro [apoio] detrás do banco, inclusive um rapaz que estava sendo abordado por outros policiais, bem próximo", comentou a irmã de Gustavo. Já o advogado do policial destaca que as mesmas testemunhas "entraram em contradições várias vezes" ao longo do processo.
"Mesmo assim, ninguém, em nenhum momento disse ter visto meu irmão mexer na cintura. Até porque a moto estava em uma velocidade que não permitiria que ele se soltasse. E como diz o promotor, meu irmão teria que pretender se suicidar para puxar um simulacro contra um policial armado", ponderou Yandra.
A Agência Brasil consultou a Polícia Militar sobre a situação funcional de Edimilson Dias Ferreira Júnior e sobre os possíveis efeitos de sua absolvição, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), deputado distrital Fábio Felix (PSOL), se manifestou sobre o caso nas redes sociais. "Me somo à dor e à indignação dos familiares do Gustavo Henrique diante da absolvição, por júri popular, do policial que o assassinou em 2022. Gustavo era um jovem negro de 17 anos e foi alvejado enquanto estava na garupa de uma moto", escreveu o parlamentar.
Agencia Brasil