A reunião aconteceu no Plenarinho IV da Assembleia e contou com a presença massiva de servidores públicos em protesto contra o projeto do RRF. O pronunciamento inicial de Luísa Barreto e Gustavo Barbosa, que também estavam acompanhados do secretário de Governo, Gustavo Valadares, foi marcado por críticas de nomes da oposição como Beatriz Cerqueira (PT) e Ulysses Gomes (PT), que questionaram o que consideraram uma apresentação vaga e generalista do plano enviado pelo Executivo à ALMG.
Ao longo dos questionamentos dos parlamentares, que
se estenderam por toda a tarde e início da noite, os secretários apresentaram dados concretos a respeito dos impactos da adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. Em resposta ao deputado Sargento Rodrigues (PL), o secretário de Fazenda detalhou os números finais da dívida estadual passados os nove anos de vigência do RRF.
Segundo Barbosa, caso aprovado o projeto, os débitos do estado com a União sairiam dos atuais R$ 164 bilhões para cerca de R$ 210 bilhões em 2032. Durante todo o período, Minas pagaria apenas o serviço da dívida, uma soma da amortização, encargos e juros. No caso de aprovação do RRF, serão pagos R$ 123 bilhões ao longo dos nove anos. Se o projeto não for aprovado, esse valor passaria à casa dos R$ 149 bilhões. Depois de 2032, o valor anual do serviço da dívida será de R$ 18,4 bilhões.
Além da economia de cerca de de R$ 26 bilhões durante a vigência do RRF, o governo do estado aponta que o modo de pagamento, iniciando com R$ 4 bilhões no primeiro ano e aumentando gradativamente permitiria que o estado cuidasse de sua saúde financeira e se estruturasse para incluir a dívida no orçamento. Por outro lado, a oposição questiona que os valores mais altos começarão a sair dos cofres mineiros justamente quando Romeu Zema, atualmente em seu segundo mandato, já não será mais o governador.
Conforme apresentado pelos secretários, o propósito do Regime seria organizar as contas do estado pagando inicialmente valores mais baixos da dívida com a União e criar uma situação mais confortável para quitar o débito nos anos seguintes à vigência do RRF. A oposição trata o projeto como uma forma da gestão Zema postergar o problema para gestões futuras enquanto aprova medidas de austeridade econômica.
O reajuste salarial dos servidores do Executivo Estadual, por exemplo, ficariam restritos a duas recomposições de 3% cada em 2024 e 2028. O governo do estado aponta que os percentuais podem ser alterados mediante melhor saúde financeira nos cofres mineiros, mas a oposição aponta para a falta de garantias dessa ordem no texto enviado à Assembleia.
Codemig
Durante a audiência pública, o secretário da Fazenda admitiu a possibilidade da federalização da Companhia de Desenvolvimento do Estado de Minas Gerais (Codemig). O valor ofertado pela empresa seria amortizado da dívida com a União. Barbosa, no entanto, não tratou sobre o preço da estatal.
Autor de Projeto de Lei que pede a federalização da empresa como alternativa para viabilizar o pagamento da dívida e opção paralela ao Regime de Recuperação Fiscal, o deputado estadual Professor Cleiton (PV) recebeu a fala do secretário com surpresa. Em entrevista concedida na Assembleia, o parlamentar disse que pretende iniciar imediatamente as conversas com Fernando Haddad (PT), ministro da Fazenda, e Geraldo Alckmin (PSB) vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
“Com muita surpresa eu ouvi do secretário que, se a Secretaria do Tesouro Nacional aceitar, a Codemig, que é um projeto de lei que eu tenho aqui na casa, pode ser dada como uma fonte de pagamento para abatimento dessa dívida. Nós calculamos que o valor de mercado da Codemig estaria hoje num lance inicial de R$ 70 bilhões. Eu já conversei com os deputados do bloco (de oposição na ALMG), nós precisamos urgentemente visitar o ministro Haddad e os técnicos da Secretaria do Tesouro Nacional, porque o secretário aqui nos deu uma esperança de que o governo do estado pode aceitar essa ideia”, afirmou.
Oposição e situação em pé de guerra
Como era previsto, a audiência pública foi marcada por discussões entre secretários do Executivo e deputados de oposição. Contando também com protestos de dezenas de servidores públicos, o Legislativo foi palco para pronunciamentos e respostas de Luísa Barreto, Gustavo Barbosa e Gustavo Valadares, à frente das pastas de Planejamento e Gestão; Fazenda; e Governo, respectivamente.
Durante a sessão, deputados de oposição e mesmo nomes que integram a base do governo de Romeu Zema (Novo), como Arnaldo Silva (União Brasil), cobraram mais explicações dos secretários sobre detalhes do plano, que deve ser votado na casa até 20 de dezembro. O projeto do Executivo começa a tramitar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia nesta quinta-feira (25/10) ainda sob questionamentos dos parlamentares.
Em entrevista durante a audiência, o líder da oposição na Assembleia, deputado Ulysses Gomes (PT) avaliou que a sessão de debates com os secretários de Zema evidenciou o que ele considera uma ‘falácia’ do atual governador do estado. Para o parlamentar, a necessidade de aprovação do RRF indica que Minas Gerais não está ‘nos trilhos’, como sugere a propaganda oficial do Executivo.
“O balanço da audiência é a prova da mentira e da falácia ao longo dos cinco anos (de governo Zema) eu disse e repito. A audiência está sendo uma oportunidade de passar o estado a limpo. A fala dos secretários presentes aqui é a prova de que tudo aquilo que o governador tentou dizer ao longo de cinco anos, que tinha colocado o estado nos trilhos. Nós estamos vendo aqui, não é oposição que tá dizendo, são os próprios secretários, que o estado está desequilibrado nas suas contas e está pedindo ajuda. Quem pede ajuda, é porque não está bem. Ele está aí no governo federal pedindo para empurrar sua dívida para os próximos anos. Ela vai aumentar a dívida e ela vai estourar no colo de alguém”, disse o deputado petista.
Também membro da bancada de oposição, Professor Cleiton (PV) destaca que espera que o tema seja alvo de novos escrutínios entre os deputados, mesmo com o prazo apertado. O governo do estado precisa que os parlamentares votem e aprovem a proposta em dois turnos até 20 de dezembro para viabilizar o RRF e evitar o pagamento de R$ 18,4 bilhões de serviço da dívida com a União já em 2024. Ele cita exemplos de outros estados para criticar a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal como solução.
Nós estamos falando de um plano que foi aplicado em outros estados e sabemos que tanto no Rio Grande do Sul, quanto no Rio de Janeiro ele não deu certo. Por que ele vai dar certo em Minas? Por que esse plano aqui em Minas é diferente da situação do Rio que fez com o governador Cláudio Castro (PL-RJ), há pouco tempo, fosse até a União para pedir uma repactuação daqueles termos acordados lá atrás. É o que está sendo esclarecido diante da pergunta dos deputados, mas mesmo assim é um texto que traz algumas ambiguidades que traz alguns temores e nas respostas que têm sido dadas pelos secretários é não tem nos satisfeito. Nós temos ainda muitas dúvidas e por isso muitas audiências públicas ainda acontecerão aqui para que nós as esclareçamos”, afirmou.
O exemplo de outros estados que aderiram ao RRF é utilizado como argumentação também pelos governistas. À imprensa, o secretário de Estado de Governo, Gustavo Valadares, reiterou suas últimas declarações sobre o tema, tratado o regime como alternativa única para a dívida mineira com a União, que hoje está na casa dos R$ 160 bilhões.
“Eu dou como exemplo os outros estados que vivem a mesma realidade que Minas. O Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Goiás são devedores da União, dívidas complicadas de serem pagas e aderiram ao regime anos atrás. O regime é um remédio amargo, não deixa de ser. Gostaríamos de viver sob a égide do regime se estivéssemos em dia com a União. É um remédio amargo, mas é um remédio para quem deve mais de R$ 160 bilhões. Os outros estados que têm situação semelhante à nossa estão dentro do regime, têm a oportunidade, a opção de sair a hora que quiserem e nunca se propuseram a sair por uma simples razão, porque não há outro caminho”, afirmou Valadares.
Após passar pela CCJ, o plano do RRF deve passar pelas comissões de Administração Pública e de Fiscalização Financeira e Orçamentária antes de ir ao plenário para votação em 1º turno. O prazo máximo para tramitação em cada comissão é de 20 dias, podendo cair pela metade caso o governo estadual peça urgência na avaliação da matéria. Segundo o líder de Zema na Assembleia, João Magalhães (MDB), a expectativa é conseguir vencer o tema de forma definitiva em cerca de 40 dias e enviar o texto para sanção do governador.