Cavalcante (GO) – A brigada de incêndio da Prevfogo, formada por quilombolas, faz simulação de combate ao fogo no Cerrado. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Conhecimento tradicional
Apesar de adotado pelos brigadistas há quase dez anos, o uso consciente do fogo é parte do conhecimento ancestral do Território Kalunga, sétimo quilombo mais populoso do Brasil com cerca de 3.600 pessoas espalhadas em 39 comunidades por cerca de 261 mil hectares.
O supervisor da brigada local, o kalunga José Gabriel dos Santos Rocha, contou que a queima do terreno sempre foi uma prática na comunidade.
"Nossos antepassados já faziam essas queimas nos pontos estratégicos. Queimavam uma área, dois anos depois queimavam outra área e iam remanejando o combustível. Isso sempre foi feito", explicou.
Por causa desse hábito, a antiga política de "fogo zero" sofreu resistência por parte dos moradores kalungas. A proibição total do uso do fogo foi adotada como regra pelos brigadistas desde a criação do Prevfogo em Cavalcante, em 2011.
Com a política de fogo zero, Gabriel disse que a vegetação acumulava excesso de material que acabava virando combustível dos incêndios florestais. Com isso, no período da seca, temperatura alta e umidade baixa, "os incêndios florestais ficavam difíceis de combater".
Cavalcante (GO) - Elias Francisco coloca fogo controlado em sua roça. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Enquanto a reportagem conhecia a comunidade Engenho II no quilombo, presenciou o agricultor Elias Francisco Maia, de 46 anos, colocando fogo e, ao mesmo tempo, apagando as chamas em torno da sua roça.
"Só queimo onde quero, tenho total controle. Aqui no quilombo sempre teve fogo. No Parque [Nacional da Chapada dos Veadeiros] sempre foi política fogo zero, mas quando saiu um fogo ninguém conseguia controlar porque eles não faziam o manejo [do fogo]", explicou.
Fogo e Cerrado
No Cerrado, o fogo faz parte da evolução biológica do bioma, destacou a diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e coordenadora do MapBiomas Cerrado, Ane Alencar. Segundo a pesquisadora, existiu por muito tempo a ideia de que as chamas eram sempre ruins.
"Isso vem de uma visão da Amazônia onde o fogo sempre foi visto como algo necessariamente ruim. Recentemente temos aprendido muito com a importância de se manejar o fogo de uma forma correta em ambientes adaptados ou dependentes do fogo. Isso é fundamental para o Cerrado e para reduzir o risco de catástrofes", explicou.
Uso do fogo pelos órgãos do Estado
O responsável pelo Prevfogo em Goiás, Cássio Tavares, destacou que, no início, a prática do manejo do fogo não foi bem recebida por parte de órgãos ambientais do Estado, da sociedade e da academia. "Muitos foram taxados de loucos" por defender o método, contou o servidor do Ibama.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que faz a gestão do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, informou, em nota, que o uso consciente do fogo pelo órgão começou, de forma experimental, entre 2012 e 2014.
De acordo com o ICMBio, o manejo do fogo para prevenção de incêndios florestais no Brasil foi motivado pela "troca de experiência com outros países que apresentaram resultados positivos na realização de ações de manejo", em especial, com a Austrália.
Como exemplo de sucesso, o Instituto citou o caso da Estação Ecológica da Serra Geral do Tocantins, que viu os incêndios florestais despencarem após o manejo do fogo pelo ICMBio, conforme ilustra o gráfico a seguir.
*O repórter viajou a convite do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)
Agencia Brasil