O FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) levou um calote de mais de R$ 2 bilhões após fornecer recursos para um programa de microcrédito da Caixa Econômica Federal criado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) em meio à corrida eleitoral.
O programa de empréstimos que usou dinheiro dos trabalhadores tem uma inadimplência superior a 80% e gerou prejuízos também para a Caixa. O banco emprestou R$ 3 bilhões e o valor não pago corresponde a R$ 2,3 bilhões (um quinto desse número é prejuízo da Caixa, o que representa R$ 460 milhões).
A instituição oferecia, por meio do aplicativo Caixa Tem, empréstimos de até R$ 1.000 para pessoas físicas, inclusive a quem estava com o nome sujo, e até R$ 3.000 para microempreendedores individuais.
Procurado, o banco afirmou que "em junho deste ano, as operações [do SIM Digital, programa de microcrédito] foram suspensas, evitando novos prejuízos aos trabalhadores (FGTS)".
"Em relação aos contratos inadimplentes, a Caixa informa que continua atuando na recuperação destes recursos, com o propósito de minimizar os prejuízos ao FGTS. Além disso, a presidência da Caixa determinou a abertura de auditoria interna para apurar os fatos relacionados à operação de microcrédito com garantia do FGTS", informou.
O FGTS colocou R$ 3 bilhões no FGM (Fundo Garantidor de Microfinanças) no primeiro trimestre de 2022 e conseguiu recuperar cerca de R$ 1 bilhão em julho deste ano. O restante foi perdido.
A decisão para o aporte no fundo garantidor veio em uma MP (medida provisória) e não passou pelo Conselho Curador do FGTS, formado por representantes do governo, dos trabalhadores e de instituições patronais.
O FGM foi capitalizado pelo FGTS para oferecer garantias aos bancos que aderissem ao Programa de Simplificação do Microcrédito Digital para Empreendedores, conhecido como SIM Digital.
O problema é que ninguém garantia os recursos aportados pelo FGTS, já que a lei que criou o programa dizia que "o FGM não disporá de qualquer tipo de garantia ou aval por parte da União".
O SIM Digital foi criado e implementado pelo governo de Bolsonaro meses antes do início da campanha eleitoral. O programa era aberto para qualquer banco e a garantia do FGM, financiado pelo FGTS, servia como segurança para que eles aderissem, mas só a Caixa se interessou.
Na época, o banco público era comandado por Pedro Guimarães, auxiliar próximo de Bolsonaro. Para desenvolver o programa que oferecia empréstimos, Guimarães fez diversas viagens com o objetivo de conhecer a experiência de microcrédito. Ele viajou para países como Bangladesh, Colômbia, Quênia, México e Peru.
Três meses depois de a Caixa anunciar oficialmente a adesão ao programa, Guimarães deixou a presidência do banco por denúncias de assédio sexual.
Naquele momento, o FGM já tinha garantido R$ 1,7 bilhão em operações de microcrédito, de acordo com dados do fundo garantidor.
Para o seu lugar foi escolhida Daniella Marques, que até então estava no Ministério da Economia como secretária especial do ex-ministro Paulo Guedes.
Sob sua batuta, a Caixa continuou com os empréstimos, mas em um ritmo menos acelerado. No fim de outubro, mês das eleições, o FGM tinha garantido R$ 2,4 bilhões.
Diante do problema, o FGTS decidiu, em reunião do seu Conselho Curador realizada em 20 de junho deste ano, resgatar as cotas ainda restantes no FGM e solicitar uma auditoria das operações pelo TCU (Tribunal de Contas da União).
O programa é investigado por auditoria interna da Caixa, assim como o consignado do Auxílio Brasil.
A atual presidente da instituição financeira, Rita Serrano, disse em maio deste ano no Twitter que os dois programas são "contestáveis" e foram implementados "às vésperas das eleições de 2022 e com um apelo excessivo ao endividamento da população vulnerável".
"Ao assumir a presidência, deparei-me com os desafios decorrentes das iniciativas adotadas pela gestão anterior, especialmente os programas Consignado do Auxílio Brasil e de Microfinanças, implementados durante o governo Bolsonaro", continuou.
Ela fez uma diferenciação na inadimplência dos dois programas. No caso do consignado do Auxílio Brasil, "a inadimplência ainda se mantém sob controle, visto que os pagamentos são descontados na fonte", afirmou.
Fonte: Estadão