Uma foto de Alberto Santos Dumont no Egito, passeando entre as pirâmides com o amigo Pedro Lima Guimarães, mostra que o mineiro era realmente um cidadão do mundo. E que o céu, onde estivesse, era seu limite. Para conhecer melhor seus sonhos e projetos, vale começar pela família. Filho de Henrique Dumont e de Francisca Paula Santos, era o sexto entre os irmãos: antes dele, vieram ao mundo Henrique, em Ouro Preto, e depois Maria Rosalina. Virgínia, Luís e Gabriela, nasceram na Fazenda da Jaguara, em Matozinhos. Depois dele, chegaram Sofia e Francisquinha, em Valença (RJ). O pai, natural de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, era engenheiro formado pela Escola Central de Artes e Manufaturas de Paris, na França.
Em 1873, a família foi morar na Fazenda Cabangu, hoje museu e parque, onde nasceu em 20 de julho daquele ano o menino Alberto Santos Dumont. Mais tarde, com as obras da estrada de ferro concluídas, os Dumont rumaram Valença (RJ), onde nasceram mais dois filhos, e depois para Ribeirão Preto (SP), dedicando-se à plantação de café.
Conforme material divulgado pela Prefeitura de Santos Dumont, Alberto, desde criança, dedicou-se, com seriedade aos estudos e à leitura. Aos 7 anos, foi para Campinas (SP) estudar no Colégio Culto à Ciência, e depois no Instituto dos Irmãos Kopke e no Colégio Morethzon, no Rio de Janeiro.
Tornou-se estudante e pesquisador notável, explorando a biblioteca de seu pai. Em 1891, viajou com a família para a França, época em que despertou ainda mais seu interesse pela mecânica, sobretudo os motores de combustão interna.Emancipado pelo pai, Alberto se aprofundou nos estudos de mecânica e física, começando suas experiências com extrema disciplina e persistência. Ao longo da carreira, desenvolveu inúmeros balões dirigíveis, até alcançar o apogeu com a aeronave mais pesada que o ar, o 14-Bis.
DECOLAGEM Em 23 dias de outubro de 1906, no Campo de Bagatelle, em Paris, diante da presença de outros inventores, público e imprensa, o mineiro decolou com seus próprios meios, sem catapulta, e percorreu 60 metros voando a uma altura de dois metros do solo. Após esse feito, Santos Dumont construiu, em 1908, o “Demoiselle”, que serviu de modelo a projetos futuros e fabricação em escala.
O “conquistador dos ares” é conhecido como “Pai da Aviação”, mas foi responsável por muitos outros inventos. Apresentou ao mundo o primeiro hangar e portões de correr, motores a gasolina leves e potentes, o relógio de pulso – pedido pessoal ao seu famoso amigo relojoeiro, Louis Cartier –, balões e um sem número de outros produtos. Para orgulho dos brasileiros, Alberto Santos Dumont tem o título de Patrono da Aviação Brasileira, com a honraria de Marechal do Ar e está inscrito no Livro de Aço do Panteão de Heróis da Pátria, em Brasília (DF).
A restauração do ‘filho’ mais ilustre
Na entrada da cidade de Santos Dumont, na rodovia BR-040, foi concebida uma homenagem de peso, e com a devida leveza criativa, ao “Pai da Aviação”. Trata-se de uma réplica do célebre 14-Bis, o modelo inventado e pilotado por Santos Dumont, chamado pela imprensa francesa, em 1906, de “Conquistador do ar”.
Há dois meses, o monumento, em espaço tombado pelo município, saiu de cena para minucioso trabalho de restauração, já concluído, devendo voltar tão logo a Praça Bagatelle esteja revitalizada. A data ainda não foi marcada pela prefeitura. À frente da equipe de restauração está Vander José Montesse do Amaral, diretor das Unidades do Senai em Juiz de Fora, na Zona da Mata, e profundo conhecedor da obra. “Penso que Santos Dumont ficaria orgulhoso do nosso trabalho; pelo menos, nós nos esforçamos para isso.”
Com 8 metros de comprimento e 10 de envergadura, 75% do tamanho original, e pesando 1,2 mil quilos, a réplica com estrutura de chapas e tubos galvanizados se encontra na unidade do Senai Luiz Adelar Scheuer, em Juiz de Fora. Vander explica que, após a desmontagem, foram identificados problemas como pontos de corrosão, necessidade de substituição dos cabos de aço e de soldagem, e outros resultantes da ação do tempo e vandalismo. “Esse é um aspecto que merece atenção, pois até mesmo pedras já foram atiradas contra o monumento, que fica entre a rodovia e a linha férrea”, afirma.
O serviço custeado pela Prefeitura de Santos Dumont (por licitação, no valor de R$ 75 mil) para as comemorações, até dezembro, dos 150 anos de nascimento do “Pai da Aviação”, tem um capítulo especial relacionado à vida de Vander. Em 1999, ele participou da idealização e da confecção do monumento, e depois, em 2003, da primeira restauração.
“Na época, isso foi feito pelo Centro de Formação Profissional de Santos Dumont, escola da qual fui aluno, professor e diretor. Vinte anos depois, estar com a equipe do Senai, desta vez com a responsabilidade de conduzir a restauração, é muito gratificante”, diz Vander.
O Senai iniciou o trabalho com a desmontagem do modelo, que foi içado e levado para unidade em Juiz de Fora. “Aqui, dispomos de todos os recursos, conforme o que a legislação determina em respeito às leis ambientais”, conta o diretor.
Da glória mundial ao desespero e morte
O Edifício Maletta, no Centro de Belo Horizonte, sempre foi um endereço com marca cultural e gastronômica. Nessa trajetória, o restaurante Cantina do Lucas tornou-se referência, tanto pelo ambiente quanto pela presença do garçom mais ilustre da cidade, Olympio Peres Munhóz, o “Seu Olympio”.
Educado e impecável no serviço em mais de 40 anos na Cantina do Lucas, Seu Olympio morreu aos 84 anos, em 2003. Mas o que esse filho de espanhóis, natural de Santos (SP), tem a ver com a história do “Pai da Aviação”? Esse elo é revelado no livro “Asas da loucura – A extraordinária vida de Santos Dumont” (Editora Record), em nova edição, do pesquisador norte-americano Paul Hoffman, que se interessou pelo personagem quando era diretor da Enciclopédia Britânica.
Hoffman escreveu: “Em Belo Horizonte, uma cidade cerca de 320 quilômetros a Oeste do Rio, conheci um garçom de 82 anos, na Cantina do Lucas, um estabelecimento noturno de vinhos e massas. Quando tinha 14 anos de idade, Olympio Peres Munhóz era o ascensorista do hotel no Guarujá onde Santos Dumont passou os últimos dias. Munhóz, a última pessoa a vê-lo com vida, revelou as circunstâncias perturbadoras em que ele deixou o mundo”.
O escritor conta que “a família de Santos Dumont conspirou, junto com amigos e militares brasileiros, para suprimir quaisquer aspectos de sua vida e de sua morte que pudessem depreciar seu status de herói. Hoje, entretanto, seus parentes buscam a verdade e me ajudaram enormemente na minha pesquisa”.
SANGUE As últimas “palavras angustiadas” de Santos Dumont, ao sair do elevador em direção à sua suíte, conforme Hoffman narra, ficaram na memória de seu Olympio: “Eu nunca pensei que minha invenção fosse causar derramamento de sangue entre irmãos. O que eu fiz?”
O aeronauta se referia à Revolução Constitucionalista (1932), “opondo rebeldes pró-democráticos do estado de São Paulo à crescente ditadura de Getúlio Vargas”. Alberto, que estava antes em uma casa de repouso em Biarritz, na França, veio para o Brasil, ficou uns dias na capital paulista e foi, seguindo recomendação médica, para o balneário de Guarujá, com o sobrinho Jorge.“Jorge levantava-se cedo todas as manhãs e escondia o jornal matutino para evitar que o tio soubesse que as tropas federais estavam bombardeando os paulistas. No entanto, não era possível mantê-lo afastado das notícias por muito tempo. Em 23 de julho de 1932, quando estava no saguão do hotel, ouviu um avião bombardear um alvo próximo.”
De volta ao quarto, o aeronauta revolveu o armário até encontrar duas gravatas. “Atou-as em volta do pescoço, pegou uma cadeira e foi para o banheiro. Seu sobrinho, que temia deixá-lo sozinho, retornou tarde demais. Santos Dumont, com idade de 59 anos, estava pendurado pela extremidade das gravatas presas a um gancho”, narra Hoffman.
A polícia , continua o escritor, “isolou o quarto do hotel e, agindo sob ordens superiores, talvez de Vargas, declarou que ele tinha morrido de parada cardíaca. O médico legista forjou o atestado de óbito. Quando a notícia de sua morte chegou aos seus compatriotas, eles decidiram dar uma trégua de três dias na guerra civil”.
O livro apresenta momentos marcantes, como o encontro de Santos Dumont com a exilada Princesa Isabel (1846-1921) e o joalheiro Louis Cartier (1875-1942), a visita a Thomas Edison (1847-1931), inventor da lâmpada incandescente, a aquisição do primeiro automóvel a circular na América do Sul e as visitas aos Estados Unidos e à Inglaterra, além das polêmicas sobre a paternidade do avião.
O mapa de Minas na rota de voo dos Dumont
• 1832 – Nasce em Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, Henrique Dumont, descendente de franceses.
• 1856 – Henrique Dumont se casa com Francisca Paula Santos, em Ouro Preto, onde nasce o primeiro filho, Henrique (1857).
• 1866 – Já residindo na Fazenda da Jaguara, em Matozinhos (então pertencente a Santa Luzia, na Região Metropolitana de BH), o casal teve mais três filhos: Virgínia, Luís e Gabriela
• 1871 – Inauguração da ponte sobre o Rio das Velhas, em Sabará (RMBH), projetada por Henrique Dumont.
• 1872 – Henrique Dumont assume a empreitada da construção do trecho ferroviário na Serra da Mantiqueira, e passa a residir em Cabangu, na Zona da Mata.
• 1873 – Em 20 de julho, nasce na Fazenda Cabangu Alberto Santos Dumont.
• 1903 – Aos 30 anos e residindo na França, Alberto Santos Dumont é recebido com “apoteóticas manifestações”, em Belo Horizonte. Naquele ano, havia construído a aeronave “Baladeuse”, que tinha a aparência de um balão robusto.
• 1923 – Já com reconhecimento internacional, Santos Dumont volta a BH em 1º de dezembro.
• 1932 – No ano da morte do “Pai da Aviação”, a terra natal do aeronauta ganha o nome de Santos Dumont.
Estadão