Obuses sem GPS, lançadores de foguetes com alcance reduzido. Alguns sistemas só chegam a Kiev com limitações. Motivo são regras de exportação ou medo de reação da Rússia? Míssil sendo disparado de um HIMARS, equipamento americano enviado à Ucrânia
Romeo Ranoco/REUTERS
Tanques de batalha Leopard 2 da Noruega, caças MiG-29 da Eslováquia: a Ucrânia recebe entregas quase diárias de armas pesadas do Ocidente. Na segunda-feira (20/03), os EUA anunciaram um novo pacote de ajuda militar de 350 milhões de dólares. Mas os prometidos tanques de batalha Abrams M1 ainda não estão incluídos.
Abrams sem armadura secreta
Recentemente, Washington afirmou querer antecipar o envio dos tanques, prometendo despachar modelos mais antigos já no segundo semestre deste ano. A revista americana Politico noticiou há algumas semanas que os Estados Unidos não querem fornecer à Ucrânia os Abrams com blindagem secreta feita de urânio empobrecido. O motivo seriam os regulamentos de exportação.
Gustav Gressel, especialista militar do think tank Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR, na sigla em inglês), não vê nada de incomum nisso. "A Ucrânia receberá a variante de exportação do Abrams, usada no Egito, Arábia Saudita e Iraque", disse. Sua blindagem é comparável à série mais antiga dos tanques de batalha Leopard 2, os Leopard 2 A4, que a Noruega e, antes disso, a Polônia entregaram à Ucrânia.
Tanque M1A1 Abrams do Exército dos EUA dispara durante o exercício militar da Otan na Letônia em 26 de março de 2021
Ints Kalnins/Reuters
"O Abrams mais antigo ainda é um bom tanque principal de batalha, tem um bom dispositivo de imagem térmica e um canhão poderoso, e é superior aos tanques russos em termos de manuseio", explica Gressel.
Obuses americanos e software ucraniano
Regras de exportação são uma razão pela qual os EUA só fornecem para a Ucrânia versões modificadas de certas armas. Mas não a única. "A questão é o que acontece se um tanque for deixado para trás e for capturado e analisado pelos russos", ressalta Gressel. Essa preocupação também possivelmente se aplica aos obuseiros M777 dos EUA, que são entregues à Ucrânia desde abril de 2022. Esses obuses foram enviados sem navegação GPS e os respectivos computadores de bordo. Armas sem GPS geralmente são menos precisas.
O exército ucraniano rapidamente encontrou uma solução e instalou seus próprios sistemas, incluindo o software de artilharia GIS "Arta", desenvolvido na Ucrânia. De acordo com a mídia ucraniana e ocidental, um dos usos mais conhecidos dos obuses M777 com o software GIS "Arta" foi em maio de 2022. Na época, a artilharia ucraniana impediu um número particularmente grande de tropas russas de cruzar o rio Seversky Donets, perto da aldeia de Bilohorivka, na região de Lugansk. Gustav Gressel vê a Ucrânia em vantagem.
"Com a artilharia, as ordens de fogo por modo digital são muito mais rápidas. Do lado russo, por outro lado, muito ainda está sendo feito por radiotelefonia", sublinha.
Serhij Hrabskyj, especialista militar de Kiev e ex-oficial do exército ucraniano, não vê maiores problemas nas limitações dos sistemas de armas ocidentais. "Todos os sistemas de informação de comando estão integrados nas estruturas de comando da Otan. Eles só podem ser usados no âmbito das tarefas da Otan", afirmou, em entrevista à DW. "Esta é uma prática normal, a Ucrânia usa seus próprios sistemas", concluiu.
Lançador de mísseis de alcance limitado
A situação é diferente com os lançadores móveis de foguetes Himars, fabricados nos EUA, que a Ucrânia tem usado com sucesso para ataques precisos bem atrás da linha de frente desde meados de 2022. Para o sistema, EUA estão fornecendo mísseis com um alcance de cerca de 80 quilômetros, mas não os mísseis ATACMS, muito mais poderosos, que podem atingir alvos a até 300 quilômetros de distância.
O Wall Street Journal noticiou que os EUA modificaram esses lançadores de foguetes antes da entrega, para que foguetes de longo alcance não pudessem ser disparados. Nem mesmo se a Ucrânia os encontrasse no mercado mundial. O jornal cita uma fonte anônima do governo dos EUA, que afirma que a razão é o desejo de "reduzir o risco de um alargamento da guerra com Moscou".
Em setembro de 2022, a porta-voz do Ministério do Exterior da Rússia, Maria Zakharova, disse que os mísseis de longo alcance eram uma "linha vermelha" e que isso faria de Washington parte envolvida no conflito. Gustav Gressel acredita que as restrições técnicas aos lançadores de foguetes Himars também podem ser revertidas, se Washington decidir fazê-lo por razões políticas.
Obuseiro M777 americano em ação na Ucrânia: equipamento é usado com software ucraniano
Reuters
Stephen Blank, especialista no think tank americano Instituto de Pesquisa de Política Externa (FPRI, na sigla em inglês), acredita que as restrições às vendas de armas dos EUA à Ucrânia têm a ver com "medo da Rússia e de uma escalada da guerra por parte da Rússia". No entanto, ele considera essa preocupação exagerada.
"Acho que temos muito medo de uma escalada da Rússia", diz o especialista. "Não entendo por que o território russo deveria ser excluído dos ataques ucranianos. A Rússia começou esta guerra e destruiu a Ucrânia."
Blank vê uma "diferença significativa" no campo de batalha no fato de que a Rússia pode concentrar seu equipamento de guerra na fronteira com a Ucrânia e "disparar à vontade", sem temer um contra-ataque. "Se eles não pudessem mais fazer isso, seria uma grande vantagem para a Ucrânia." Blank defende mostrar, nas negociações com a Rússia, que o Ocidente "não se deixa pressionar".
No início de 2023, os parceiros ocidentais da Ucrânia prometeram fornecer mísseis com alcance de até 150 quilômetros. O ministro ucraniano da Defesa, Oleksiy Reznikov, disse na época que Kiev havia prometido não disparar contra o território russo. No entanto, isso não se aplica aos territórios ucranianos ocupados pela Rússia.
Sinais errados a Putin
Stephen Blank acredita que os aliados na Europa têm ainda mais medo do que os EUA. A administração Biden quer manter a Otan unida e, portanto, está levando isso em consideração, segundo o especialista.
A Otan enfatizou repetidamente que não faz parte da guerra e não quer ser arrastada para a guerra. Gustav Gressel, do ECFR, acha que isso está certo, mas critica a ideia em Washington de que alguém poderia "microgerenciar a guerra para encerrá-la em um impasse desejado".
"Uma guerra é complexa e caótica demais para isso", diz Gressel. "Com isso, apenas são enviados sinais a Putin de que ele tem uma certa chance de vencer a guerra. Qualquer contenção nas entregas de armas ocidentais é um sinal para ele de que não estamos falando sério."
Fonte: G1