O acampamento bolsonarista que ficou assentado por cerca de três meses na Avenida Raja Gabáglia, em Belo Horizonte, tinha "barracas de alistamento" para recrutar pessoas dispostas a participar do ato golpista em Brasília (DF), em 8 de janeiro. Um dos coordenadores da viagem era o empresário Esdras dos Santos, tido como "líder" do grupo que se instalou em frente à Quarta Região Militar do Exército. Um vídeo obtido pelo Estado de Minas mostra Esdras convocando pessoas a se "alistar" para participar da viagem.
As imagens foram divulgadas por Esdras durante uma transmissão ao vivo no Instagram, feita em algum horário entre os dias 5 e 6 de deste mês. O vídeo ficou armazenado no perfil do militante radical, mas acabaram apagadas em meio à decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de ordenar a desobstrução da avenida.
Os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aglomerados na Raja pretendiam rumar à capital federal de ônibus. Segundo Esdras, as passagens custariam R$ 250, com direito a ida e volta. Em tom militar, o empresário, que veste jaqueta verde oliva e uma camisa da Seleção Brasileira em outra coloração de verde, repete, a todo momento, o pedido para que os espectadores da live e os participantes do acampamento façam o "alistamento".
Para viabilizar a ida dos extremistas, ele pede doações por meio de uma chave Pix. "Só guerreiros estão indo para Brasília. Só homens fortes. Estão se alistando aqui, agora, diretamente de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Precisamos de condições para ir. Muitas pessoas estão precisando de condições para ir", diz, na gravação, enquanto filma homens que, segundo Esdras, aguardavam a vez para que pudessem "se alistar".
"A passagem de ônibus é R$ 250. A gente precisa da ajuda de vocês para levar muito homem forte. Você que não vai, faça um esforço, pelo amor de Deus, e nos ajude", reforça.
Horas depois da transmissão, a Guarda Municipal deflagrou operação para desmontar o acampamento. Esdras, que chegou a acionar a Justiça para tentar se reassentar na Raja Gabaglia, aproveita o vídeo para fornecer dicas aos interessados em viajar a Brasília. Ele orienta os manifestantes a levarem barracas para dormir e galochas.
"Em nome de Jesus, vai dar certo. BH-Brasília: muitas pessoas já estão aqui (se) alistando. Mas tem gente que não tem condições para ir. Rio de Janeiro, São Paulo, todos os estados estão mandando ônibus com pessoas pra Brasília", garante.
Como mostrou mais cedo o EM, 187 mineiros foram presos por participação na invasão ao Palácio do Planalto, ao Congresso Nacional e à sede do Supremo Tribunal Federal (STF). Na semana passada, a Advocacia-Geral da União (AGU) apontou oito moradores de Minas como potenciais financiadores dos atos. Uma empresa que aluga ônibus também consta na lista enviada à Justiça Federal, mas nega ter enviado coletivos à capital federal no fim de semana dos eventos.
Em outra transmissão, feita depois da gravação em que fala das "barracas de alistamento", Esdras afirma que não iria até Brasília. Era preciso cuidar do "quartel-general" montado na Raja.
Acampamento tinha até culto religioso
Enquanto Esdras fazia a live mostrando a organização da excursão de contornos golpistas, um grupo se reunia em uma barraca vizinha à do empresário. No espaço, enquanto um homem tocava violão, pessoas entoavam canções que aparentavam ter cunho religioso.
Quase simultaneamente, uma voz feminina era ouvida. A mulher conversava com companheiros de acampamento e falava sobre "fechar outro ônibus". Em determinado momento da transmissão, Esdras chega a pedir ajuda de "governadores", empresários de ônibus e políticos para fretar veículos.
"Já estamos no quarto ônibus. Precisamos da ajuda de vocês, empresários e deputados que foram eleitos. Não podemos ficar omissos", brada.
Depois, em outro momento, o líder dos extremistas afirma que, na verdade, cinco ônibus sairiam da Raja Gabaglia.
Porsche e gratuidade à Justiça
A liminar de Esdras solicitando permissão para remontar uma barraca em frente à Quarta Região Militar foi concedida pelo juiz Wauner Batista, mas posteriormente anulada por Alexandre de Moraes - Wauner, aliás, acabou afastado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Na ação em que pedia para voltar a ficar na Raja Gabaglia, o empresário alegou não possuir "condições de arcar com as despesas processuais sem obter prejuízo de seu próprio sustento e de sua família". A Procuradoria-Geral do Município de Belo Horizonte (PGMBH), contudo, apontou que ele chegou ao assentamento dirigindo um carro Porsche.
O Macan, modelo zero quilômetro da marca mais barato no Brasil, custava R$ 439 mil em 2022.
Estadão