História semiautobiográfica permite que diretor mostre por que é um dos maiores de todos os tempos ao revisitar passado e família com doçura, amor e algumas lágrimas. Steven Spielberg é um dos maiores cineastas de todos os tempos e "Os Fabelmans" é uma boa forma de lembrar disso. O diretor de 76 anos entrega seu melhor filme em quase 20 anos com uma história semi autobiográfica, na qual revisita sua infância.
O filme estreia nesta quinta-feira (12) nos cinemas brasileiros como um dos prováveis favoritos ao Oscar nas categorias principal e de direção – antes mesmo do anúncio dos indicados, em 24 de janeiro.
Seria possível creditar tal status à presença do próprio Spielberg, indicado 19 vezes, vencedor em três delas. Ou então ao tema, já que é notório o amor da instituição responsável pelo prêmio por histórias sobre o próprio cinema.
"Os Fabelmans" garante o favoritismo por ser muito mais. A história sobre amadurecimento, amor, sonhos e egoísmo é também o olhar de um dos maiores que já existiu para a origem de sua própria paixão pelo ofício.
É uma reflexão de um septuagenário sobre a relação complexa de seus pais e como ela contribuiu para quem é hoje.
Mas, mais do que qualquer outra coisa, é também o retorno do diretor à sua melhor forma, como não se via provavelmente desde "Prenda-me se for capaz" (2002), capaz de entreter o público com uma mão apenas para baixar sua guarda e emocioná-lo com a outra.
'Os Fabelmans': veja trailer do filme de Steven Spielberg
Conheça os Fabelmans
O filme acompanha o alter ego de Spielberg, Sammy Fabelman (interpretado em dois momentos por Mateo Zoryan e Gabriel LaBelle), desde sua primeira vez em uma sala de cinema ainda bem criança até a consolidação de sua obsessão.
A beleza do roteiro – escrito pelo diretor com seu parceiro de longa data, Tony Kushner ("Amor, sublime amor") – está no realismo extraordinário pelo qual o cineasta é tão conhecido.
A casa dos Fabelmans é familiar para qualquer um, mesmo aqueles que não cresceram nos Estados Unidos dos anos 1940 e 1950, mas abriga sempre a possibilidade do fantástico em cada diálogo habilmente construído em momentos do mais mundanos.
Logo abaixo da superfície de felicidade, sorrisos e sonhos também está guardada uma tensão perpétua e latente.
Reflexo de um lado sombrio escondido principalmente pela mãe (Michelle Williams), elas – tensão e mãe – são a principal influência sobre a formação do protagonista. Algo que ganha notas mais doces e complexas para quem lembrar que aquele jovem um dia viria a dirigir a própria vida.
Gabriel LaBelle, Michelle Williams, Paul Dano, Keeley Karsten, Julia Butters e Sophia Kopera em cena de 'Os Fabelmans'
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Indicada quatro vezes ao Oscar, a mais recente por "Manchester à beira-mar" (2016), Williams constrói uma personagem humana com toques sobrenaturais, digna da imagem que alguém carrega da mãe.
LaBelle ("O Predador") também sustenta bem a difícil missão de representar um jovem Spielberg dirigido pelo próprio, ainda mais cercado por um elenco tão talentoso.
Mas é Paul Dano ("Batman"), intérprete do pai, quem deve receber mais atenção das premiações. Justo. Com um dos papéis mais sem tempero, ele se refestela na oportunidade de mostrar que pode fazer algo além de psicopatas esquisitos.
O ator força o público a entender o conflito interno da mãe. Mesmo quando ele parece intransigente ou teimoso, o faz com tamanha delicadeza que é, de fato, impossível ficar chateado – algo que, muitos sabem, pode ser enfurecedor.
Gabriel LaBelle em cena de 'Os Fabelmans'
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Sob o olhar de Spielberg
Com ritmo bem distribuído ao longo de suas duas horas e meia de duração, "Os Fabelmans" só se perde um pouco por volta da metade, quando flerta perigosamente, e por tempo demais, com um drama colegial.
Com direito a valentões antissemitas, rebeldia adolescente e a velha perseguição ao novo garoto da escola, o filme perde um pouco da visão fantástica do diretor. Talvez por causa da proximidade de quem viveu aquilo.
Mas como Spielberg não é mais aquele garoto inseguro e inocente da história, logo recupera o passo, transforma a fraqueza potencial em uma das melhores cenas da história e encerra com uma de suas anedotas mais famosas, o breve e nervoso encontro com John Ford (interpretado por outro grande diretor genioso, David Lynch).
Em "Os Fabelmans", o diretor de 76 anos volta à sua melhor forma enquanto olha para o passado e provoca no público uma esperança imensurável pelo futuro.
Paul Dano e Michelle Williams em cena de 'Os Fabelmans'
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Fonte: G1