Segundo Olívia dos Santos Fonseca, a polícia atua quando a violência já aconteceu e demais atores da sociedade devem atuar na prevenção, antes que chegue ao extremo. Combate à violência contra a mulher ainda é desafio em Piracicaba
Divulgação/SMPPM
Piracicaba (SP) registrou em 2022 dois casos de feminicídio, de janeiro a novembro. No entanto, o que os números não mostram é a quantidade de mulheres que vivem em relacionamentos abusivos e que ainda não se tornaram estatística, mas que podem vir a ser vítimas da violência extrema.
Embora os casos em que há violência física sejam de competência da polícia, a delegada adjunta da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), Olívia dos Santos Fonseca, analisa que as forças policiais atuam por último, quando o crime já aconteceu. Ela avalia que a sociedade precisa atuar para evitar a violência, e não apenas punir.
Violência doméstica não se resolve só em delegacia, a polícia age quando a violência já aconteceu", afirmou.
"Para impactar o número de violência contra a mulher, ou no número de feminicídios, você começa a pensar nisso bem antes de chegar na delegacia. Quando chega, a ameaça já foi proferida, o soco já foi dado, o tiro já foi disparado. Tem que trabalhar para que mude a cultura de como a sociedade vê a mulher na atualidade."
Delegada adjunta da DDM de Piracicaba, Olívia Fonseca
Caroline Giantomaso/g1
Segundo a delegada, o feminicídio é o extremo da violência contra a mulher e em muitos casos, ainda assim, não há denúncia anterior de agressões. Nos dois casos que ocorreram esse ano, havia registro anterior e uma das vítimas inclusive tinha medida protetiva de urgência.
O primeiro caso ocorreu em 24 de março, quando Carolina Dini Jorge foi morta a facadas em frente à escola da filha. Ela já tinha sido ameaçada pelo ex-marido.
O segundo ocorreu no fim de novembro, dia 29, quando Laise Vieira de Andrade, foi encontrada morta em um quarto de hotel, com sinais asfixia. Ela já tinha uma medida protetiva contra o ex.
Além dos dois casos em Piracicaba, Limeira também registrou dois feminicídios em 2022. Veja no gráfico a relação de casos em cinco anos, nas duas cidades:
Mudança cultural
A delegada afirma que esses crimes ocorrem por conta da forma que a mulher é vista, como uma posse do homem.
"A mulher é morta por ser mulher... Por ciúmes, porque o homem acha que ela é propriedade dele, porque ele não aceita ser deixado... Porque ele realmente vê aquela condição de 'é minha, é minha propriedade, não vou aceitar que ela me deixe, que ela fique com outra pessoa, que ela seja feliz com outra pessoa'", explicou.
Segundo Olívia, para combater a violência em sua raiz é necessário a atuação de todos os atores da sociedade, e não apenas da polícia.
"A polícia atua muito mais na repressão do que na prevenção. A gente atua um pouco ali na prevenção na questão das medidas protetivas de urgência, mas para a mulher vir pedir a medida, ela já foi agredida, ela já sofreu uma violência."
Segundo a delegada, são necessárias políticas públicas, investimento em educação, investimento em capacitação dos profissionais que trabalham com violência doméstica e de líderes comunitárias que saibam repassar conhecimento para mulheres que estão vivendo num relacionamento abusivo.
"Antes da agressão e da ameaça sempre tem uma violência psicológica, um controle, um ciúme." Segundo ela, é necessário que as mulheres tenham suporte e uma rede de apoio para que possam entender que estão em um relacionamento abusivo e sair antes que a violência física aconteça.
Delegacia de Defesa da Mulher de Piracicaba
Fernanda Zanetti/ g1
Ciclo da violência
Um dos fatores que dificulta o combate à violência de gênero é o ciclo da violência. Ele consiste em três fases de um relacionamento abusivo, segundo o Instituto Maria da Penha:
Aumento da tensão: Quando o agressor tem acessos de raiva, fica irritado e humilha a vítima
Ato de violência: Explosão do agressor, quando a tensão acumulada da fase 1 se materializa em violências
Arrependimento e comportamento carinhoso: O agressor quer se reconciliar e se torna carinhoso, em geral diz que "vai mudar"
De acordo com a delegada da DDM de Piracicaba, esse ciclo é muito claro nos casos atendidos pela Polícia Civil.
"Começa com clima de tensão, aí elas sofrem a agressão, seja física ou verbal, aí elas vêm na delegacia, registram ocorrência quando ainda tá sob influência da violência sofrida. Quando volta para casa e têm tempo de pensar e retomar a vida cotidiana, o trabalho da polícia fica mais difícil."
Segundo Olívia, na fase de "lua de mel" a mulher não quer mais dar andamento no procedimento, não aceita receber ajuda ou suporte. "Ela quer simplesmente esquecer aquilo e retomar. Porém é um ciclo, vai acontecer de novo."
Conforme a delegada, para evitar que isso aconteça a mulher deve sair da delegacia já com encaminhamento para ser acompanhada por outros órgãos, para ter suporte.
Ciclo da violência mantém mulher em situação abusiva
Jornal Nacional
Como combater a violência, afinal?
Segundo Olívia, para combater a violência é necessário, então, educar a sociedade. "A gente tem que trabalhar na questão de conscientização, de uma cultura de não violência à mulher", explicou.
Ela afirma que uma das formas de fazer isso é conscientizar as pessoas desde a escola, para que as crianças de hoje não reproduzam comportamentos agressivos no futuro.
Outro fator importante, segundo a delegada, é dar ferramentas para mulheres que estão em relacionamentos abusivos saírem dessa situação. Como em muitos casos a dependência econômica é uma realidade, é preciso trabalhar com capacitação, para que vítimas possam ter sua própria fonte de renda, sem depender do seu agressor.
Em outros casos, há dependência emocional. "Isso precisa tratar com terapeuta, psicólogo, acompanhamento, que nem todas as mulheres têm a sua disposição", ressaltou.
"O que as pessoas precisam entender é que mulher nenhuma gosta de apanhar e mulher nenhuma gosta de ficar em um relacionamento abusivo. Muitas vezes ela se coloca e permanece nessa situação por vários outros fatores. A dependência econômica, emocional e a questão dos filhos são questões que precisam ser muito trabalhadas e acho que elas ainda são subestimadas."
Segundo Olívia, é necessário educar e dar suporte, porque a lei por si só não é suficiente para combater a violência. Em muitos casos, os agressores nem se entendem como criminosos.
"A gente vê muito aqui os agressores, eles olham para mim e dizem 'mas por que você está me prendendo? Eu não sou bandido'. Eles não se percebem como agressores. É um outro fator que a gente tem que trabalhar, para que ele se perceba agressor, que ele se envergonhe daquilo e não repita", argumentou.
"É uma cultura que precisa ser mudada e eu vejo esse ímpeto de mudança nas gerações que estão vindo", finaliza Olívia.
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