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Concurso gastronômico mistura sabor e memória em receitas feitas por idosos


 

 

Carne moída com ora-pro-nóbis, biscoito quebra-quebra, doce de mamão, feijão gordo e mingau de couve foram algumas das 30 receitas que ocuparam as mesas do Clube Jaraguá, na Região da Pampulha, no fim da tarde de quarta-feira (26/10). Os preparos concorreram ao prêmio máximo do Sabor da Memória, concurso gastronômico que reuniu criações feitas em lares de idosos de Belo Horizonte. Quem acabou conquistando o paladar dos jurados foi a receita feita por Ergita Alves, de 89 anos, que mora no Recanto da Saudade, no Bairro Salgado Filho, Região Oeste da capital. Ousada, dona Ergita inscreveu no certame sua versão de fubá suado e faturou o primeiro lugar.

 

A criativa proposta de realizar um festival culinário inteiramente dedicado aos moradores das chamadas instituições de longa permanência para idosos (ILPI) tem como meta valorizar as memórias afetivas das pessoas que residem nessas moradias. A adesão à proposta foi tal que chegaram 73 inscrições de pratos vindas de 16 lares, dos quais a curadora Patrícia Brito teve que peneirar três dezenas, feitas por pessoas com idades entre 64 e 102 anos.

 

O clube recebeu o evento de anúncio das comidas que venceram o certame. Enquanto o júri técnico avaliava cada um dos itens, como sabor, textura e memória, o público em geral também pôde participar da escolha do júri popular, virtual e presencialmente. Ao longo da apuração, o grupo Meninas de Sinhá ocupava o salão de eventos com uma apresentação comovente de canções populares.

 

Criações Segundo a curadora do projeto, as receitas participantes têm um componente memorialístico importante. “São pessoas que chegaram a BH com suas memórias do interior de Minas e também do interior do país”, explicou Patrícia Brito. Juntos, os preparos tentam formar uma espécie de painel sobre memória alimentar. “Na história de Belo Horizonte, é reafirmada a influência italiana e portuguesa, mas esse trabalho mostra a memória da diversidade (da culinária em Minas), que envolve raízes indígenas e afrobrasileiras”, completou.

 

Entre as 30 criações que recheiam esse painel citado pela curadora, uma mescla de preparos mais convencionais a outras resgatadas em antigos cadernos de receitas. O repórter participou como um dos jurados e teve vontade de repetir um bocado a mais em cada uma das receitas. O arroz-doce de forno era sedoso, o biscoito quebra-quebra fazia crac, a carne moída com ora-pro-nóbis tinha suculência e até o omelete de queijo gerou vontade de pedir outro pedaço. A mistura de ingredientes de outras regiões também era perceptível, como no acarajé do Lar Santa Maria, que tinha o bolinho sequinho e o recheio cremoso, ou na tapioquinha paraense.

 

As panelas também tiveram a participação de mãos masculinas, que ficaram entre os vencedores. Dois moradores do Lar Santa Maria, no Bairro São Francisco, na Região da Pampulha, alcançaram o segundo e terceiro lugares. Aos 75 anos, Cícero Pereira ficou em segundo com seu feijão-tropeiro. Uma deliciosa receita de feijão gordo foi o terceiro. O autor da receita é Hélio das Graças, um senhor de 72 que tem deficiência visual. O pudim de tangerina proposto por Lúcia Conceição, de 84, moradora do Recanto Feliz São Francisco de Assis, conquistou a preferência na categoria voto popular.

 

A exuberância do resultado alcançado pelo concurso instiga a curadora a pontuar sobre políticas públicas de salvaguarda das receitas feitas nos lares de idosos, algo que, segundo ela, precisa ser implementado em BH. Esses homens e mulheres já experimentados acabam sendo responsáveis pela manutenção de uma cultura alimentar do passado, que já se transformou ao passar dos anos, na avaliação da curadora. “Houve muitas mudanças no abastecimento de alimentos nas últimas décadas, antes havia muito mais hortas, o sabor da comida era outro”, critica Patrícia. “Hoje temos esse processo de industrialização, que tira o sabor da comida, e lidamos com o agrone- gócio. Temos que ficar atentos à nossa origem de receitas indígenas e afro-brasileiras, como os derivados do milho e mandioca”, finaliza a especialista.

 

O Sabor da Memória é uma realização do Grupo Cultural Meninas de Sinhá, com fomento do Fundo Municipal do Idoso de Belo Horizonte, patrocínio de Carrefour Brasil, Societe Generale, Vale, Prosegur, Cemig e Engie. Além do concurso gastronômico, a iniciativa realiza também oficinas de culinária nos lares de idosos. O lançamento de um livro de receitas está previsto para o ano que vem.

 

 

VENCEDORES

 

1º lugar: fubá suado, feito por Ergita Alves, de 89 anos, do Recanto da Saudade

2º lugar: feijão-tropeiro, de Cícero Pereira, de 75, do Lar Santa Maria

3º lugar: feijão gordo, de Hélio das Graças, de 72, do Lar Santa Maria

 

Voto popular: pudim de tangerina, de Lúcia Conceição, de 84, Recanto Feliz São Francisco de Assis 

Estadão

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