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G1 - Politica

'Ninguém aguenta mais discutir': 4 anos depois, grupos de WhatsApp seguem divididos, mas com menos brigas


Na eleição de 2018, g1 contou 4 histórias de grupos abalados por brigas políticas. Reportagem voltou a ouvir as pessoas agora. Segundo os relatos, conflitos diminuíram, mas 'laços foram desfeitos'. "Laços foram desfeitos", "as coisas nunca serão como antes", "não tocamos mais no assunto". Variações dessas falas, que mostram resignação com a divisão política no Brasil e algum alívio com o fim dos barracos, estão em quatro histórias sobre grupos de WhatsApp quatro anos após a eleição de 2018.

Naquele momento, o g1 mostrou quatro exemplos de como a eleição dividiu grupos de família e amigos. Tinha subgrupo "mortadela" e "coxinha", almoço de domingo estragado, namorado bloqueado e turma de colégio rachada. Em 2022, as pessoas contam no que deram as tretas:

A família mineira dividida entre os grupos "mortadela" e "coxinha" em 2018 até retomou a conversa, mas "com o acordo de ninguém falar de política".

A estudante carioca que bloqueou o próprio namorado no Facebook voltou a segui-lo e diz que eles concordam sobre política "às vezes" ("mas na maioria, não"). E eles se casaram.

A advogada de Mato Grosso que tinha perdido os almoços de domingo com a família não voltou para o grupo, mas retomou os encontros com pedidos de desculpas.

O bancário paraibano que conseguiu reunir seus antigos amigos de escola e viu a turma ruir por política nunca mais falou "com o lado de lá".

O g1 também voltou a conversar com o psiquiatra que deu dicas em 2018 de como lidar com as "tretas", para avaliar a situação quatro anos depois. Ele alerta para a aversão aos conflitos como um sinal de consolidação das bolhas e falta de diálogo real.

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Em 2018, havia uma explosão de relatos no Twitter sobre "briga no grupo da família" e "saí do grupo de família" em agosto e setembro. Eles não tinham necessariamente relação com as eleições, mas seu crescimento coincidiu com o período próximo à eleição.

Em 2022, até o final de agosto, a menos de um mês das novas eleições presidenciais, há menos citações a "briga no grupo da família" e um número semelhante de menções a "saí do grupo da família" - dados condizentes com os quatro relatos de que a divisão continua, mas os combates diminuíram.

* Observação: o levantamento de 2018 considerou todo o mês de setembro. Como o mês de 2022 ainda não terminou, ele não foi considerado na linha deste ano nos gráficos acima e abaixo.

1 - 'Família mortadela' aqui; 'família coxinha' ali

Como era em 2018: A família de Denise*, professora universitária em Belo Horizonte, resolveu as tretas com um subgrupo de WhatsApp. O "Família mortadela" tem só as pessoas de esquerda, enquanto os "coxinhas" ficam para a direita. No grupo principal, o papo de política foi proibido.

Como está em 2022: O acordo funcionou e vale até hoje, mesmo que ainda apareça uma ou outra provocação política no grupo geral: "De vez em quando aparece, mas ninguém responde e a coisa morre."

"A gente não está querendo polemizar, então o clima está relativamente tranquilo. Mas as coisas nunca mais voltaram a ser como eram"

"Eu ainda acho complicado. Porque eu acho que as pessoas não mudaram o pensamento. Eu estou até me cobrando, porque acho que estou ficando muito radical", ela admite. "São pouquíssimas as pessoas com quem tenho a convivência que são do outro lado, e mesmo assim nem toco no assunto."

2 - Quem ama desbloqueia?

Como era em 2018: A carioca Carla* se cansou de brigar com o namorado por política. Os dois estudavam e moram juntos em Madri. "A gente ficava discutindo no Facebook mesmo morando juntos. Ele vinha falar: 'Vê lá o que eu comentei no seu. E eu fui ficando com ódio'", ela diz.

"A gente ficava lá na guerra. Entravam amigos dele e meus nas discussões", ela conta. A solução foi drástica. "Eu o excluí do meu Facebook um dia sem falar nada. Aí ele ficou revoltado e me excluiu também", ela diz. O rompimento foi só naquela rede social, e deixou os dois satisfeitos.

Como está em 2022: A relação evoluiu. Três coisas importantes aconteceram desde então. A primeira foi que o namorado se desencantou com o candidato que era motivo das brigas ("Ele diz que foi desde que o Bolsonaro tentou nomear o filho para o consulado dos EUA", diz Carla).

A segunda mudança foi que eles se casaram em 2020. A terceira, não menos importante, foi que ela desbloqueou o antigo namorado, atual marido, do Facebook.

Dos quatro exemplos da reportagem, o do casal é o que mais mudou de lá para cá. Com o companheiro menos radical, as discussões por política não a preocupam mais, mesmo que ainda existam.

"Eu às vezes falo bem do Lula e ele aceita - mas na maioria das vezes não. Estamos muito mais 'de boa'", ela comemora.

3 - Volta do almoço de domingo

A família de Ana tinha cancelado os almoços de domingo, mas depois voltou

Arquivo pessoal

Como era em 2018: A estudante de Direito Ana*, de Campo Grande, saiu do grupo da família há quatro anos, irritada com "fake news". "Teve gente que se exaltou e acabou xingando familiares. Desde essa briga as coisas ficaram diferentes, porque nem almoço mais tem. A família se dividiu", ela contou.

Como está em 2022: "Não voltei para o grupo. Na verdade, nem fui convidada a voltar", diz Ana. Pelo menos os almoços aos domingos não acabaram de vez.

"Voltaram só no final do ano passado, com menos familiares e bem menos frequência. Foi por conta da sensibilização causada pela pandemia, já que alguns familiares positivaram para o Covid. Isso gerou uma sensação de arrependimento. Houve pedidos de desculpas por ambas as partes", diz Ana.

"O clima não é o mesmo, acredito que talvez não volte a ser. A política se tornou um assunto implicitamente proibido nos almoços", ela afirma.

Mesmo os familiares que ainda fazem ataques nas redes sociais reconhecem que cada um possui sua ideia política. O que ficou acordado entre todos é que não tinha por que ter tido essas discussões. Mesmo assim, infelizmente, sinto que as coisas não irão voltar a ser como antes."

4 - Amigos reunidos... e separados

Luís André reuniu seus ex-colegas do colégio

Arquivo pessoal

Como era em 2018: O bancário Luís André ficou feliz quando conseguiu reunir seus ex-colegas do Colégio Marista de João Pessoa depois de 28 anos de formados, em 2013. "Fizemos um encontro em 2014 e depois uma grande festa de 30 anos de formados", ele lembra.

O grupo de WhatsApp chegou a ter mais de 100 pessoas. "Era muito animado, tinha até mil mensagens por dia. Até casal se formou, de dois colegas que eram divorciados e começaram a conversar lá", conta Luís.

"Tinha muito médico, advogado, juiz, gente mais de direita, e também de esquerda", ele descreve. Mas as brigas políticas estragaram tudo. "Ano passado já não houve festa nenhuma. Esse ano não vai ter. Eu era o criador do grupo, e me arretei tanto que até apaguei foto", ele admite.

Como está em 2022: "Os laços foram desfeitos. Não teve volta", diz Luís André. "Só tenho contato com quem não é bolsonarista, porque as coisas se acirraram muito. O discurso de ódio permaneceu. Não tem mais nenhuma condição de se reunir."

"Essa história de jogar conversa fora não tem mais. Porque ficou evidente o sentimento de um e do outro. A forma de pensar de um é divergente do outro. O pessoal do lado de lá se reúne pelo menos uma vez por ano em um jantar. Vão tomar uísque, é um pessoal rico", ele conta.

E aí, como lidar?

A situação de 2022 pode parecer tranquila, mas não é boa do ponto de vista familiar e nem político, alerta Pedro de Santi, psicanalista e professor da ESPM. "O fato de haver menos briga num grupo não significa pacificação, mas cisão. É um recrudescimento de bolhas e perda do convívio democrático".

"Conflitos são bons, a democracia é feita deles. Hoje há o fim de um ambiente onde pode haver discussões. Só há cisões, onde um não ouve o outro e já desistiu de trocar ideias", afirma.

"A tolerância ao conflito está menor. Não é só por exaustão, mas também por medo. Porque uma das partes é violenta, dá tiro, bate. Isso deixa as pessoas acuadas. É péssimo para a democracia e degrada o convívio social. É preciso haver a restituição do conflito não violento", diz Pedro de Santi.

Pedro já deu cinco passos para tentar conviver nos grupos. Veja abaixo:

Não se consumir no celular - "Antes de tudo, é preciso aprender uma medida de uso dessas mídias. Nós estamos encantados com elas e usamos muito mais do que seria proveitoso. É preciso pensar no quanto usar de energia e tempo com elas."

Insistir na tolerância - "O fato de sair do grupo não vai fazer você amadurecer. Você amadurece é na conversa. Às vezes dá um embrulho no estômago de pensar nisso, mas é preciso. Se possível, deve-se sustentar mais na discussão, sem sair no primeiro conflito."

Agressão é o limite - "Se você mesmo acha que a melhor resposta é atacar pessoalmente o outro, é melhor sair do que agredir e xingar. Este limite tem que existir."

Entender laços de família - "Em família há outros assuntos velados. A política é usada para mapear questões anteriores, de vínculos profundos. Remete aos 'barracos' de Natal. É mais passional e primitivo. É preciso ter consciência que o estrago de uma briga é maior, mas também o motivo para recompor a relação depois."

Pensar no dia seguinte - "É preciso lembrar que vamos conviver depois das eleições. Quando passa a paixão, alguns vínculos são recuperados. Não dá para queimar todas as pontes, porque para reconstruir pode ser complicado. Comece se perguntando em como você pode estar sendo intolerante."

* Os personagens citados na matéria pediram para não ter os nomes completos divulgados.

G1

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