Ação aconteceu na última terça-feira (24) e deixou ao menos 23 mortos, se tornando a segunda mais letal da história do Rio. A equipe foi até o local e conversou com pessoas que perderam familiares. Edição de 31/05/2022
O Profissão Repórter desta terça-feira (31) acompanhou os desdobramentos da operação policial que aconteceu na Vila Cruzeiro, no Rio, na semana passada. Ela se tornou a segunda mais violenta da cidade e teve ao menos 23 mortos. Não há vítimas fatais entre os policiais.
De acordo com o relatório Chacinas Policiais, produzido pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF), no período de 2007 a 2021, foram realizadas 17.929 operações policiais em favelas na Região Metropolitana do Rio, das quais 593 terminaram em chacinas, com um total de 2.374 civis mortos e 19 óbitos de policiais.
Mapa de tiroteios e operações policiais mostra que raramente confrontos acontecem em áreas de milícia
A cientista social Caroline Grillo é uma das autoras da pesquisa e explica que a sociedade paga caro pelas operações sem receber bons retornos de segurança.
“Confrontos que têm um altíssimo custo social e eficiência muito baixa, mas também impunidade, e é isso que possibilita que nos últimos 20 anos a polícia do estado do Rio de Janeiro tenha matado mais de 20 mil pessoas em serviço”, afirma.
Pesquisa mostra que número de chacinas não diminuiu com decisão do STF
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Os repórteres Caco Barcellos e Chico Bahia tiveram acesso ao topo de um morro chamado de "Terra Prometida", um lugar de casas de madeira muito pobres, onde aconteceu a cena mais violenta da operação policial.
A equipe foi acompanhada por Zen Ferreira, repórter da comunidade, representantes de associações de moradores e por entidades de direitos humanos. Todos fizeram a primeira visita ao local no dia após a operação, na quarta-feira (25).
Uma das famílias contou que disparos atingiram a casa e, no meio da madrugada, quatro policiais invadiram o imóvel e mataram a facadas um homem que havia se refugiado nos fundos.
"As pessoas só pensam, quem vê de fora, quem não está na realidade das favelas, só pensam que eram criminosos. As pessoas não pensam na criança que ficou sem aula, no trabalhador que não conseguiu sair para trabalhar, no posto de saúde que ficou fechado e interrompeu a vacinação", diz David Gomes, coordenador da Federação de Associação de Favelas do Rio de Janeiro.
Profissão Repórter visitou a "Terra Prometida" um dia após a operação
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Dezenas de pessoas esperavam no Instituto Médico Legal para reconhecer os mortos da operação. A equipe conversou com familiares que aguardavam notícias de pessoas desaparecidas.
Ricardo Zacarias Júnior era motoxista e ficou desaparecido depois da operação. Ele estava trabalhando durante os tiros, segundo a esposa. A mãe, Marli Martins, recebeu a notícia da morte de Juninho, como era conhecido, depois de algumas horas.
Os mototaxistas fizeram um protesto durante o enterro.
"Temos que lidar com o pouco de dinheiro que gera na comunidade. E nem todo o dinheiro é dinheiro sujo, não. Tem muita gente que vende sorvete, que vende salgado", desabafa um dos manifestantes.
A família de Juninho fez uma manifestação durante o enterro do mototaxista
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Gabrielle Ferreira da Cunha, de 41 anos, foi morta por uma bala perdida. A mãe, Divone Ferreira, foi até o IML reconhecer o corpo da filha.
"Ela era cabelereira, atendia a domicílio. É muito triste. E agora eu vou enterrar ela", desabafa.
Durante a reportagem na "Terra Prometida", Caco Barcellos encontrou uma nota fiscal ao lado de uma moto destruída. A equipe foi até o endereço de Douglas Inácio, de 23 anos, uma das vítimas, e conversou com a mãe, Patrícia.
"Ele era um menino muito sensato, muito trabalhador, mas como a gente vive em comunidade, a gente tem medo dessa violência, de tomar tiro perdido. Porque, às vezes, a gente mora num lugar e eles já chegam dando tiro", conta.
O Profissão Repórter entrevistou o porta-voz da PM do RJ, tenente-coronel Ivan Blaz. Questionado sobre as pessoas inocentes que morrem em operações policiais, ele respondeu:
“Infelizmente, é uma realidade cruel que nós no Rio de Janeiro já vivemos há cerca de 30 anos, desde que o primeiro fuzil de assalto foi apreendido pelas forças policiais, e, hoje, outros estados também convivem com isso. Essas ações de intervenção em zonas conflagradas, infelizmente, elas farão parte do nosso cotidiano enquanto esses criminosos permanecerem com essa estratégia de expansão, domínio, guerra, de uso do fuzil, que é algo inédito no restante do mundo. A gente só consegue ver isso aqui no Brasil.”
Caco Barcellos perguntou ainda se não existe outra medida para combater o tráfico de drogas que não exija confronto.
“Todos nós sabemos que não é com polícia simplesmente que iremos resolver os maiores desafios da segurança pública. Não é polícia que vai resolver os aspectos de desigualdade social, fornecimento de educação, atividades sociais e emprego para toda uma população carente. Contudo, as ações emergenciais se fazem necessárias”, disse o tenente-coronel.
Veja o programa completo no vídeo acima.