Localizado no principal acesso ao Centro Histórico de Ouro Preto, o novo equipamento cultural ocupa as instalações do antigo Asilo São Vicente de Paulo, a poucos metros da Praça Tiradentes, principal espaço público da primeira cidade brasileira reconhecida (1980) como patrimônio mundial. Em foco, a coleção com mais de mil peças doada pelo casal franco-brasileiro Maria Helena e Jacques Boulieu. É preciso calma, tempo, atenção para ver os objetos em seus mínimos detalhes e fazer a viagem pelo mundo barroco, com escalas na Ásia e na América Latina, passando, claro, por Minas Gerais.
Nos quase 400 metros quadrados para exposição no pavimento superior (seis salas), o visitante terá a oportunidade única de ver pinturas, esculturas, objetos e mobiliário de origens e séculos diversos. Há imagens de santos com olhos puxadinhos, em marfim, provenientes da Ásia, e de uma Nossa Senhora do Mar (Índia, século 17), e Imaculada Conceição, da mesma procedência e época, mas com os cabelos ondulados, colunas de altar emoldurando São Miguel Arcanjo, obra de Francisco Vieira Servas (1720-1811), artista português que trabalhou em Minas, e a primeira peça da coleção do casal – a imagem da Imaculada Conceição, adquirida na lua de mel, na Bahia. Essa fica no saguão, no térreo, ao lado de retrato do casal Boulieu e de um vídeo com depoimento dos dois.
VIAGEM PELOS SENTIDOS
Ao percorrer os ambientes, o visitante poderá conhecer desdobramentos do barroco pelo trajeto histórico-poético proposto pelo curador da exposição, o prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo. Basta, então, seguir os temas: A fé e o império conquistam o mar; O mundo encantado das Índias; Americanos de norte a sul sob o sinal da cruz; O brilho dos metais e a luz da religião; A América hispânica e o esplendor do culto; Os engenhos da arte no Brasil açucareiro; A palma barroca na mão do povo; O eldorado no coração da grande floresta; Esfera da opulência e teatro da religião.
Causam impactos quadros como “A defesa da eucaristia”, óleo sobre tela dos séculos 18 e 19, do Peru, que mostra o rei Carlos II (1661-1700), da Espanha, ainda criança (ele foi coroado aos quatro anos de idade) empunhando a espada com a mão direita e segurando, com a esquerda, o ostensório com a hóstia sagrada. Ainda a imagem de São Miguel Arcanjo (séculos 18 e 19), da América Central, e uma vitrine inteira com objetos de prata das minas de Cerro Potosí, na Bolívia, da época da colonização espanhola.
Das Filipinas, há uma cabeça de São Francisco Xavier, do século 18, e, da Guatemala, imagem de Nossa Senhora da Piedade, dos séculos 18 e 19, em madeira com douramento. Na Colômbia, o casal Boulieu adquiriu o São José articulado, em madeira e ferro, chamado de “imagem de vestir”, pois sobre a peça vai a roupa para apresentação no altar.
Na salas dedicadas ao Brasil, chamam a atenção, como todos os demais objetos de fé, a imagem de Santa Luzia (séculos 18 e 19), do Maranhão; o São Miguel Arcanjo esculpido por Servas; e os frutos do trabalho de santeiros do Nordeste, a exemplo de 13 crucifixos. A cada passo, um momento emocionante reservado à sensibilidade, como a Sala dos Povos Indígenas da América Latina. Importante destacar que a maioria das peças está exposta com material informativo e QR Code, facilitando, assim, a compreensão do acervo.
Com patrocínio integral do Instituto Cultural Vale, via Lei Federal de Incentivo à Cultura, e projeto de restauração e expografia assinados pelo Instituto Pedra, o novo equipamento cultural, segundo os organizadores, contribui para reafirmar Ouro Preto como o epicentro da arte barroca brasileira, sugerindo novas perspectivas e novos contextos ao movimento artístico.
NAVEGAÇÕES
Segundo a direção do Instituto Pedra, o museu assume a função pública de “preservar, investigar e expor” a coleção doada pelo casal, que reúne principalmente obras de origem asiática e latino-americana, principalmente do período barroco.
“O Museu Boulieu se pauta pelos encontros, desde o do casal até aqueles acarretados pelas grandes navegações europeias. Daí a propagação da fé e dos impérios. O sincretismo religioso e as diversas culturas nos apontam outros caminhos e olhares”, destaca o diretor-presidente do Instituto Pedra, Luiz Fernando de Almeida.
Completa a programação de abertura do novo espaço a mostra temporária “Aleijadinho – fotografias de Horacio Coppola”, realizada em parceria com o Instituto Moreira Salles. O conjunto de fotografias retrata as obras do escultor mineiro Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), a partir da viagem feita por Coppola a Minas Gerais, em 1945. Há também duas obras cedidas temporariamente pela Coleção Ivani e Jorge Yunes, inaugurando o programa Acervos em diálogo.
HISTÓRIA
Equipamento cultural privado, o Museu Boulieu fica no imóvel que abrigou o Asilo São Vicente de Paulo e na construção anexa em que funcionou a antiga “casa do capelão”. A origem do conjunto de edifícios remonta ao final do século 18, mas o prédio do museu foi construído em 1932, pelos vicentinos, para ser usado como asilo, função que cumpriu até a transferência do complexo hospitalar para o Bairro da Bauxita, no final dos anos 2000.Para efetivar a criação do museu, em 2008, o Instituto Cultural Brasileiro do Divino Espírito Santo (Icbdes), atual Instituto Boulieu, foi criado como personalidade jurídica responsável pelo Museu Boulieu. Em 2012, foi estabelecido um comodato em que o edifício teve o uso cedido pela Prefeitura de Ouro Preto para a criação do museu.
Conforme o Estado de Minas divulgou em muitas matérias, o casal de colecionadores Jacques e Maria Helena Boulieu (ela, paulista criada em Belo Horizonte) reuniu cerca de 2,5 mil peças, sendo a maior parte de arte sacra. Parte da coleção foi doada, em 2011, à Arquidiocese de Mariana, atual donatária-proprietária do acervo. Segundo a escritura pública de doação, trata-se de “transferência de propriedade e posse, os bens doados são bens fora de comércio, e que devem ser permanentemente expostos no Museu Boulieu”.
Em 2021, o casal doou mais um lote de peças ao museu. Nesse novo lote foram doadas, além de esculturas e pinturas de temática religiosa, peças utilitárias, como mobiliário, utensílios domésticos de prataria inglesa e latino-americana, vasos de cerâmica, tecidos andinos, gravuras, fragmentos de entalhes e também um pequeno conjunto de peças arqueológicas pré-colombianas. No caso dos Boulieu, a coleção é fruto, sobretudo, de um gosto do casal pela prataria e arte sacra barroca devido à sua religiosidade.
MEMÓRIA
Doação a arquidiocese
As peças doadas são fruto de 50 anos das viagens do casal Boulieu pelo mundo. Em 18 de dezembro de 2004, conforme registrado pelo EM, houve uma cerimônia na Basílica de Nossa Senhora do Pilar, no Centro de Ouro Preto, para assinar protocolo de doação da coleção à Arquidiocese de Mariana. Na época, Maria Helena contou um pouco da história: “Somos casados há 55 anos e, desde nossa lua de mel, em Salvador (BA), começamos a reunir esse conjunto, que resulta das aventuras extraordinárias que usufruímos juntos”. Com emoção, Maria Helena explicou que a doação à arquidiocese representava uma “ação de graças a Deus por uma vida plena e que deve ser compartilhada com a comunidade”. E falou do amor pela arte barroca: “Fomos adquirindo as peças que achávamos interessantes. Como não temos filhos, embora muitos sobrinhos, vimos que o melhor seria doar a coleção para que os objetos não se dispersassem”.
Serviço
Museu BoulieuAbertura ao público: Amanhã (14/4), às 10h.
Endereço: Rua Padre Rolim, 412, Ouro Preto
Horário de funcionamento: segunda-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado e domingo: das 10h às 18h – valor da entrada inteira: R$10 e meia entrada: R$5
Quarta-feira: das 13h às 22h (entrada gratuita).
Terça-feira: fechado
Agendamento de visitas monitoradas: educativo@museuboulieu.org.br
Site: https://museuboulieu.org.br/
Instagram: @museuboulieu
Estadão