Dizem que os cabelos são a moldura do rosto, especialmente para as mulheres, mas nem todo mundo se enquadra em padrões de beleza ou segue estereótipos, preferindo levar a vida de cabeça erguida, do jeito que é, sem dar atenção a olhares enviesados, comentários depreciativos, dedos apontados. Cheia de atitude e consciente da sua condição genética, a cantora e bancária Carô Rennó, residente em Belo Horizonte, fala com todas as letras que tem alopecia universal e vive tranquilamente, embora com plena consciência de que há preconceito, desinformação e, claro, sofrimento para muita gente. Desde a madrugada de ontem, a palavra alopecia ganhou destaque no mundo e nas redes sociais com a cena protagonizada pelo ator Will Smith, que, momentos antes de receber o Oscar pela atuação em “King Richard: criando campeãs”, deu um tapa no rosto do comediante Chris Rock. A reação decorreu do comentário de Rock ao comparar o visual da mulher de Will, Jada Pinkett-Smith, que está careca em decorrência de alopecia, ao da atriz Demi Moore no filme “Até o limite da honra” (1997), cuja personagem também mantém os fios raspados. “Não vi a entrega do Oscar, só fiquei sabendo na manhã de ontem. Li alguns posts na internet, pessoas considerando violento o ato de Will Smith. Não sou a favor de violência, mas acho que, nesse caso, trata-se de uma resposta a preconceitos, aos estereótipos que aprisionam principalmente as mulheres e causam grande sofrimento social”, diz Carô Rennó, solteira, natural de Itajubá, no Sul de Minas, e mãe de Maria Flor, de 6 anos. Com experiência nos palcos e no canto lírico, tendo participado de montagens no Palácio das Artes/Fundação Clóvis Salgado, Carô acredita que o episódio envolvendo Will Smith abre a discussão sobre o assunto e joga luz sobre a condição genética. “Tenho alopecia universal, ou seja, não tenho pelos no corpo. Sou careca, a exemplo de meu irmão. Nasci assim, então convivo sem traumas. Mas sei de pessoas que se escondem em casa ou precisam usar uma peruca constantemente para se aceitarem ou ser aceitas socialmente.”
IMAGEM ACEITÁVEL A cantora e bancária, também com MBA em liderança inovadora, pela Fundação Getúlio Vargas, ressalta que contou com muita ajuda dos pais, Jorge Rennó, já falecido, e Terezinha Rennó. “Lá pelos meus 3 anos, uma tia sugeriu que eu usasse peruca, mas minha mãe foi contra, certa de que deveria enfrentar o mundo como eu era e ainda sou. Minha mãe, que foi minha professora no ensino infantil, sempre me encorajou: ‘Se te chamarem de careca, não ligue. Porém, se te chamarem de cabeluda, pode partir para cima, que vou junto. Desse jeito, me fortaleci”, afirma. No caso dos homens, a calvície tem efeitos, aos olhos de quem vê, bem diferente do que ocorre com as mulheres, compara Carô. “Homem careca é tido como viril, sábio, experiente ou cheio de conhecimento. Já a mulher careca está associada a doenças, tratamento contra o câncer, fazendo quimioterapia, e até mesmo loucura. É uma questão inconcebível, pois, talvez favorecidos pela indústria da beleza e do forte marketing, os cabelos nas mulheres significam sedução, feminilidade e beleza. A grande pergunta é: Quem determina esse padrão?”. Por trabalhar com arte, Carô Rennó explica que não sofreu discriminação no meio teatral, mas sabe que, em outros momentos, viveu aquela situação de que “não dói, mas enche o saco”. Coincidentemente, antes de o assunto vir à tona, ela leu um trabalho de um médico especialista (tricologista), no qual havia relatos de várias pacientes. “Chorei ao ver tanto sofrimento, pessoas que se escondem, que não podem viver direito nem sair de casa.” Mesmo que a medicina considere a alopecia uma doença autoimune, Carô Rennó prefere chamar de “condição genética”, afinal, vive com a autoestima elevada e longe de carregar o “peso exacerbado” imposto a quem não tem cabelo.