Marine Le Pen moderou seu discurso e mudou seu programa para atrair eleitores que tradicionalmente votam em partidos de esquerda. O presidente Emmanuel Macron lidera todas as pesquisas, com 30% a 31%. Le Pen, com 16% a 19% das intenções de votos, tem novamente chances de ir para o segundo turno. Marine Le Pen moderou seu discurso e mudou programa para atrair eleitores que tradicionalmente votam em partidos de esquerda
Reuters/Via BBC
Marine Le Pen, candidata da direita às eleições presidenciais na França, em abril, moderou seu discurso e mudou seu programa para atrair eleitores que tradicionalmente votam em partidos de esquerda.
Esta é terceira vez que Le Pen, líder do Rassemblement National (Agrupamento Nacional, antigo Frente Nacional) concorre à Presidência.
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O presidente Emmanuel Macron, que oficializou sua candidatura apenas no início de março, lidera todas as pesquisas, com cerca de 30%. Le Pen, com 16% a 19% das intenções de votos, tem novamente chances de ir para o segundo turno, como ocorreu em 2017.
Veja abaixo um vídeo de 2018, quando um juiz obrigou Le Pen a fazer exame psiquiátrico.
Juiz ordena que Marine Le Pen faça exames psiquiátricos
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Desde 2011, quando assumiu o comando do partido fundado nos anos 70 por seu pai, Jean-Marie Le Pen, a líder da direita francesa adotou a estratégia de tentar apagar a imagem xenófoba, racista e extremista atribuída por muitos à Frente Nacional, o que incluiu a mudança do nome para Rassemblement National em 2018.
A mudança de postura de Le Pen para ampliar suas chances na disputa presidencial, que se insere na estratégia chamada na França de "desdiabolização" do partido, fez com que ela seja considerada menos extremista por uma parte do eleitorado, tendo uma melhora inédita em relação à sua imagem.
Segundo um estudo da Kantar Public para o jornal Le Monde e France Info, publicado em janeiro, 40% dos franceses veem a candidata do Rassemblement National como a representante de uma "extrema direita nacionalista e xenófoba", uma diminuição de 11 pontos percentuais em relação à pesquisa de 2018.
Paralelamente, 46% a veem como a personalidade de uma "direita patriótica ligada aos valores tradicionais", com um aumento de 8 pontos percentuais.
"É uma evolução espetacular para Marine Le Pen e essa mudança é puxada principalmente pelo eleitorado da esquerda", ressalta Emmanuel Rivière, diretor internacional de estudos da Kantar Public.
No entanto, poucos franceses desejam a vitória da candidata, apenas 21%, mas menos ainda (8%) gostariam que seu rival de direita, Éric Zemmour, seja eleito.
Apesar do discurso mais moderado de Le Pen, o programa atual de campanha mantém as propostas classificadas por muitos como radicais, com inúmeros projetos da época de seu pai, sobretudo em relação a questões de imigração e segurança. Mas na linha econômica houve algumas mudanças significativas.
Durante décadas, a antiga Frente Nacional foi um partido que defendia a redução do Estado e das tributações, como a diminuição do Imposto de Renda para todas as faixas de renda. O pai de Marine já havia iniciado uma mudança, quando passou a denunciar os "efeitos negativos da globalização".
Mas foi Marine Le Pen quem deu a maior guinada, incluindo medidas sociais, a melhoria de serviços públicos e defendendo um Estado protetor, que são marcos fortes da esquerda.
Por essa razão, rivais políticos, analistas e empresários já chegaram a afirmar que o programa econômico de Le Pen é de esquerda.
"Marine Le Pen é uma mulher de esquerda que está em defasagem com o seu eleitorado", disse o candidato Éric Zemmour, conhecido por suas declarações polêmicas em relação aos imigrantes e ao islã.
Éric Zemmour em foto de 22 de abril de 2021
Joel Saget/AFP
Em seu programa para as eleições de abril, Marine Le Pen propõe aumentar os salários dos professores e de profissionais de saúde, além de medidas para melhorar o poder aquisitivo dos franceses, como garantir uma aposentadoria mínima de 1.000 euros (R$ 5.590), contra cerca de 900 euros (R$ 5.030) atualmente, e indexá-la à inflação, além do aumento de salários em 10% para quem ganha até três mínimos, com a exoneração dos encargos sociais.
O programa do Rassemblement National prevê ainda que jovens com até 30 anos não pagariam impostos, a redução do tributo equivalente ao ICMS brasileiro sobre o gás, a eletricidade e os combustíveis. Isso é uma novidade da candidata, após os protestos do movimento dos coletes amarelos iniciado em 2018 e que reivindica a melhoria do nível de vida.
Le Pen também quer, por exemplo, nacionalizar as estradas para reduzir o custo dos pedágios e criar um Imposto sobre a Fortuna Financeira (que substituiria o atual Imposto sobre a Fortuna Imobiliária).
Voto operário
Na eleição presidencial de 2017, Le Pen conquistou 39% do voto operário na França. Previsões indicam que esse número poderá ser ampliado na votação deste ano. São eleitores que historicamente votavam em forças políticas de esquerda e, mais no passado, garantiram a época de ouro do Partido Comunista francês até o final dos anos 1970.
O programa econômico de Le Pen chegou a ser comparado ao de Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa, de esquerda.
Houve, com Marine Le Pen, um aumento considerável na participação dos trabalhadores operários no desempenho da direita.
Em 1988, na época de seu pai, 17% do operariado francês votava no partido, contra 39% nas últimas eleições presidenciais, segundo o estudo "1988-2021 — Trinta anos de metamorfose do eleitorado da Frente Nacional", realizado por Jérôme Fourquet, diretor do Instituto Francês de Opinião Pública (Ifop).
Esse estudo sobre como a esquerda perdeu o voto operário revela que uma das principais mudanças no eleitorado do partido de Le Pen é baseada no nível de educação.
O percentual de quem não concluiu o ensino médio, ou seja, que realiza trabalhos menos qualificados e com menores salários, e que poderia votar na direita, pulou de 16% no final dos anos 1980 para 33% atualmente.
Analistas estimam que o partido socialista, que nas últimas décadas alternou o poder com a direita mais moderada, abandonou o conceito de luta de classes por conta da diminuição do número de trabalhadores operários na França nas últimas décadas.
Isso é decorrente da desindustrialização do país com a transferência de fábricas para países com mão de obra mais barata. A estratégia socialista foi se voltar para a classe média e adotar a linha de centro esquerda.
Já a esquerda mantém a dinâmica da luta de classes, mas também adotou a defesa de minorias religiosas, sexuais, étnicas, com discursos, por exemplo, a favor da imigração que podem não corresponder às ideias de parte das camadas mais populares.
Para o cientista político Guillaume Bernard, o Rassemblement Nacional continua defendendo suas teses sobre imigração e segurança, mas também passou a destacar em seu discurso o tema de um Estado forte, protetor tanto da ordem pública quanto das camadas populares, o que corresponde, em alguns pontos, à posição da esquerda comunista.
"Há um voto de protesto na extrema direita resultante do sentimento de abandono, provocado pela perda de poder aquisitivo e a redução dos serviços públicos em áreas menos urbanas ou de menor porte", diz ele.
A esquerda francesa nunca esteve tão mal nas pesquisas de uma eleição presidencial. Todos os candidatos reunidos somam cerca de 26% das intenções de voto.
A socialista Anne Hidalgo, prefeita de Paris, reúne apenas de 1,5% a 2,5%, algo jamais visto, menos do que o comunista Fabien Roussel, com 3% a 4%.
Marine Le Pen também mudou sua visão soberanista, abandonando desde 2019 sua proposta de saída da França da zona do euro e da União Europeia.
Casamento gay
Agora a candidata deixou de lado também assuntos de sociedade para atrair eleitores da esquerda. Ela não pretende mais mudar as leis do casamento gay, o que constava em seu programa em 2017, e da procriação médica assistida, que passou a beneficiar casais lésbicos e mulheres solteiras.
Le Pen propõe uma "moratória de três anos" sobre todas as questões sociais e culturais, uma maneira de não precisar se posicionar sobre esses assuntos. Ela acrescenta que um referendo de iniciativa popular, que ela também pretende criar, poderia ser lançado sobre esses assuntos se alcançar o número de assinaturas.
O poder de compra é a principal preocupação dos franceses nessas eleições, segundo pesquisas. A segurança vem em terceiro lugar. Nesse campo, Le Pen também pode atrair o eleitorado de esquerda, apesar de propostas polêmicas, como a presunção de legítima defesa para os policiais.
De acordo com uma pesquisa CSA para o canal de TV CNews, onde Zemmour trabalhou como comentarista, 73% de simpatizantes da esquerda avaliam que a Justiça francesa não é suficientemente severa.
A disputa pela segunda vaga está acirrada entre Le Pen e outros três candidatos, com vantagem para a candidata do Rassemblement Nacional, que tem de 16% a 19% das intenções de voto.
Um dos rivais que vem caindo nas pesquisas é o também direitista Éric Zemmour. O jornalista polêmico, agora com 10% a 13%, vem conquistando parte do eleitorado do Rassemblement Nacional, além de políticos do partido, que abandonaram Le Pen para se juntar a ele. A própria sobrinha de Le Pen, a ex-deputada Marion Maréchal, anunciou seu apoio a Zemmour.
Valérie Pécresse, candidata de Os Republicanos da direita tradicional, partido dos ex-presidentes Nicolas Sarkozy e Jacques Chirac, vem perdendo fôlego, como Zemmour, e oscila entre 10% e 12%, de acordo com diferentes pesquisas.
Pécresse chegou a ser ultrapassada recentemente nas pesquisas pelo candidato de esquerda Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa, que tem de 11% a 14% das intenções de voto.
A imprensa francesa afirma que Le Pen vem utilizando Zemmour para reforçar sua imagem de uma candidata "normal". Ela chegou a dizer que Zemmour atraiu para sua campanha "católicos tradicionalistas, pagãos e alguns nazistas" que foram expulsos do Rassemblement National. Mas ao mesmo tempo reconheceu que essas pessoas integraram em algum momento seu partido.
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