Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas criticam a gestão pública. Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da UFMG classificam o protocolo como muito relevante diante da nova onda da pandemia impulsionada pela variante Ômicron e da intensa circulação de pessoas oriundas de outras localidades, sobretudo nas capitais: “Nenhuma cidade é uma ilha”.
Nas últimas 24 horas, Minas registrou 3.400 casos de COVID-19, praticamente o dobro dos diagnósticos confirmados há uma semana. Na comparação com os registros divulgados um mês atrás, o número é 29 vezes maior. Em Belo Horizonte, a doença respiratória voltou a pressionar o sistema de saúde. A ocupação dos leitos do SUS exclusivos para o coronavírus chegaram a ficar 100% ocupados nesta quarta-feira (5/01), o que levou a PBH a anunciar a abertura de ao menos mais 70 vagas até o fim de semana.
‘Não é o caso’
A única referência do governo mineiro à comprovação de imunidade consta na última atualização do Protocolo Sanitário de Eventos de Entretenimento e Lazer com Grande Público, divulgada em 22 de novembro do ano passado. Na ocasião, o estado orientou aos municípios que exijam o passaporte em locais que concentrem mais de 600 pessoas simultaneamente. O documento, contudo, pode ser substituído pelo teste PCR negativo. Questionada pelo Estado de Minas, a administração estadual informou que a diretriz ainda é a mesma, mas que cada prefeitura tem autonomia para definir suas estratégias.Já a Secretaria Municipal de Saúde cobra o atestado apenas em eventos com mais de 2 mil participantes, ocasião em que o exame PCR também é admitido. Membro do Comitê de Enfrentamento à COVID-19, que assessora o Executivo na condução da pandemia, o infectologista Carlos Starling acredita que o passaporte é desnecessário diante da boa adesão da população à campanha.
“Temos, hoje, 93% da população acima de 12 anos vacinada com as duas doses. O passaporte apenas constataria o que já está descrito nos boletins epidemiológicos. Não valeria a pena, portanto, mobilizar toda uma logística de fiscalização - e isso não é simples - para constatar que a maioria das pessoas já está vacinads”, pondera o médico.
“Além disso, o Brasil passou a exigir o passaporte da vacinação para quem chega ao País. Seria plausível exigir o comprovante caso BH fosse uma cidade com grande vocação turística ou com dificuldades importantes de acesso à vacina, o que não é o caso”, complementa Starling.
‘Pedagógico’
A perspectiva do infectologista não é consenso entre seus pares. Para o imunologista e professor da Faculdade de Medicina da UFMG, Jorge Pinto Andrade, a premissa de que o alto índice de cobertura vacinal da cidade permite abrir mão do passaporte da vacinação é equivocada, uma vez que a circulação de pessoas na cidade não está circunscrita à população local.“ Você acha, por exemplo, que nos jogos de futebol recentes realizados por aqui só havia moradores de Belo Horizonte? Vamos lembrar que as pessoas também viajaram para outras cidades e estados para passar o Natal com suas famílias. Viajaram no Reveillón. Entram e saem daqui a trabalho. E a distribuição das vacinas, ao contrário do que pode parecer, é heterogênea. Logo, não faz sentido pensar que a boa adesão à campanha nos blinda de alguma forma”, questiona o médico.
Andrade também menciona o declínio da imunidade das vacinas atualmente disponíveis no mercado, que começa seis meses após a finalização do esquema vacinal. Com isso, observa o médico, as campanhas precisam recomeçar de forma cíclica.
“Temos mais de 90% das pessoas acima de 12 anos vacinadas desde o início da vacinação, mas o índice de de aplicação da dose de reforço é certamente bem inferior. O passaporte, nesse sentido, funciona de maneira pedagógica. Ele estimula a adesão ao reforço a cada ciclo de vacinação. É, portanto, uma peça muito importante da cesta de medidas de prevenção à COVID”.
O especialista em Saúde Pública da Fiocruz Carlos Machado também critica a exclusão do comprovante das medidas de combate à pandemia. “Que os donos de bares e restaurantes sejam resistentes, eu até entendo. Mas que o poder público não reconheça essa necessidade, sinceramente, não compreendo”, comenta.
Ele rebate o argumento de que a difícil logística de fiscalização da exigência do passaporte justifica descartá-lo. “Remanejar leitos também é difícil. Contratar profissionais de saúde na pandemia, também. A falta de estrutura de fiscalização não deve ser o argumento que conduz a decisão de adotar ou não o passaporte. Aprendemos, nos últimos dois anos, que o combate à pandemia exige um conjunto de estratégias. Neste momento em que assistimos o possível surgimento de uma nova onda da doença, não podemos abrir mão de nenhuma delas. Todas são fundamentais”, analisa Machado.
Rigor
Veja as localidades onde o passaporte da vacinação é exigido em espaço coletivos. A medida é válida para maiores de 12 anosSão Paulo Na capital paulista,em todos os eventos, a partir de 10/1. Em todo o estado, para os servidores públicos nos prédios estaduais a partir de 9/1.
CearáEm estabelecimentos do ramo de hotelaria, academias de ginástica, restaurantes, bares, barracas de praia e eventos de qualquer natureza e prédios públicos estaduais.
Rio de JaneiroEm cinemas, teatros, museus, bares e restaurantes
TocantinsEm eventos com mais de 200 pessoas
AcreEm eventos com mais de 100 pessoas
ParáEm shows, casas noturnas e boates; cinemas, teatros, clubes, bares e afins; em eventos esportivos, amadores e profissionais, assim como em reuniões, eventos e festas, realizadas em espaços públicos ou privados.
ParaíbaPraças de alimentação de shopping centers, salões de beleza e eventos de qualquer natureza.
Mato GrossoEm estádios, cinemas, teatros, museus, salões de jogo, casas de show.
Rio Grande do NorteEventos com mais de 300 pessoas
PernambucoEm eventos fechados e órgãos públicos estaduais
BahiaEm unidades prisionais, além de serviços de atendimento público da Bahia
PiauíCasas de show, academias e clubes
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Estadão