Prefeitura de Curitiba disse que objetivo do projeto de lei é organizar a distribuição de comida para os sem-teto e não impedir que aconteça. ONGs e voluntários rebateram ideia, pedindo suspensão da proposta. Projeto de lei polêmico foi encaminhado aos vereadores para ser analisado.
Giuliano Gomes / Agência PR PRESS
O prefeito de Curitiba Rafael Greca (DEM) se manifestou nesta quinta-feira (1º) sobre a iniciativa que cria regras na distribuição de comida para os sem-teto pelas redes sociais e disse que o projeto foi mal interpretado.
"É uma Lei da Rede de Proteção Social da Cidade mal interpretada por gente ruim. Defendo a Segurança Alimentar e Nutricional dos desvalidos e vulneráveis, com Vigilância Sanitária", disse Rafael Greca.
O projeto, encaminhado à Câmara Municipal de Curitiba (CMC), estabelece critérios para a distribuição de alimentos. Pela proposta, quem “distribuir alimentos em desacordo com os horários, datas e locais autorizados pelo Município de Curitiba”, poderá ser multado de R$ 150 a R$ 550, após advertência.
Segundo o prefeito, a cidade tem três ações do programa Mesa Solidária que são gratuitas. A capital também mantém, mesmo na pandemia, cinco restaurantes populares. Dados municipais indicam que são quase 3 mil sem-teto em Curitiba.
Resposta de Rafael Greca sobre projeto entregue aos vereadores.
Reprodução/Facebook
ONGs repudiam e pedem suspensão
A Federação do Terceiro Setor do Estado do Paraná (Fetespar), que representa os interesses da sociedade e das organizações sociais, pediu, nesta quinta-feira, que a Justiça suspenda o projeto na CMC, para que seja analisado e discutido com todos os envolvidos, incluindo as Organizações da Sociedade Civil (OSCs).
No documento, enviado ao Ministério Público do Paraná (MP-PR), a Fetespar afirma que, se não fosse a ajuda das organizações sociais, os sem-teto seriam cada mais invisíveis pelo poder público.
"E com certeza o poder público municipal viu nesta parcela da população de rua uma oportunidade de angariar recursos e vantagens, e ter total controle das OSCS que prestam relevantes serviços a essa população de rua, pouco assistida pelo poder público principalmente em meio a uma pandemia”.
A Fetespar defende que não pode compactuar com a proposta da prefeitura, que quer decidir sozinha sobre as ações que envolverá milhões de recursos públicos. “E tira a credibilidade das OSCS receberem diretamente doações das empresas privadas e pessoas físicas”, diz o documento.
As organizações não governamentais e grupos de voluntários, que distribuem os alimentos aos sem-teto, fizeram uma carta aberta. As ONGs disseram que foram pegas de surpresa.
“Em meio a tantos problemas, tantas demandas não cumpridas, tantas possibilidades efetivas de resolver de forma eficaz o problema, a atitude é esta: proibir e penalizar quem faz”, disse a carta aberta assinada pelas ONGs.
Ao G1, o antropólogo Tomás Melo, 34 anos, que participa de uma das ações sociais, disse que a prefeitura parece estar mais preocupada com a higiene das praças e das ruas. Ele destacou que o programa Mesa Solidária, da prefeitura, é um espaço físico.
“As organizações fazem os alimentos e entregam lá, em pontos fixos. A impressão é de que a prefeitura não quer que seja entregue a comida nas ruas, por causa do impacto que isso gera. Mas as pessoas em situação de rua estão espalhadas pela cidade”.
Segundo Tomás, muita coisa pode ser feita para melhorar a situação e já faz mais de um ano, desde o começo da pandemia, que as ONGs têm tentado falar diálogo com a prefeitura.
"Nos impressiona que, a essa altura da situação, a proposta seja de fiscalização das organizações, sem ninguém que as represente esteja junto. Antes de fiscalizar, que o prefeito faça o serviço integralmente, a gente se retira, mas a prefeitura tem que fazer a sua parte, garantir a alimentação à quem precisa”.
Projeto coloca em risco entrega de marmitas aos sem-teto em Curitiba.
Reprodução/RPC
Os registros dos voluntários dão conta de que Curitiba tinha, antes da pandemia, pelo menos 5 mil pessoas nas ruas. Isso aumentou com a crise.
"Temos percebido aumento na população de rua, com famílias inteiras que têm ido para as ruas para se alimentar, porque não tem nada em casa”.
A Pastoral do Povo da Rua, da Arquidiocese de Curitiba, repudiou o projeto e também defendeu a entrega dos alimentos além dos locais previamente determinados pela prefeitura.
Segundo a Arquidiocese, a proposta deve ser discutida "pelo Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (COMSEA), com ampla participação de todas as organizações e pessoas que atuam com o povo em situação de rua na cidade de Curitiba".
Projeto de lei prevê organizar distribuição de alimentos para sem-teto em Curitiba.
Luiz Costa/SMCS
Prefeitura explica o projeto
Em nota, a Prefeitura de Curitiba afirmou que a ideia do projeto de lei é organizar a distribuição de comida para os sem-teto, até mesmo adequando a questão sanitária. Mas isso, porém, não faz com que a sociedade deixe de participar das ações, conforme a prefeitura.
A ideia é criar o chamado marco regulatório, que estabelece as regras para a distribuição da comida e também fiscalizaria o cumprimento das normas, com auditorias técnicas, e o estabelecimento de indicadores de qualidade.
A proposta prevê cadastrar as organizações da sociedade civil, entidades religiosas, educacionais e, com um comitê, composto por representantes de órgãos públicos da prefeitura, planejar e articular os componentes do Programa Mesa Solidária, "bem como fiscalizar e monitorar a sua execução".
Segundo a prefeitura, aqueles que cumprirem as exigências vão ter autorização expressa da Secretaria Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (SMSAN) para distribuir alimentos à população em situação de vulnerabilidade e risco social. "Incluindo a população em situação de rua", diz o Artigo 9º da proposta.
Entre as razões da elaboração do projeto de lei, estão, conforme a prefeitura:
Ausência atual de parâmetros organizacionais nas atividades exercidas por entidades particulares;
Divergências frequentes de distribuição atual, ora exacerbada, ora com carência de oferta, o que gera desperdício ou escassez de alimentos;
Os casos de oferta exacerbada resultam em acúmulo de resíduos orgânicos e rejeitos na vias públicas, contribuindo para proliferação de pragas e vetores urbanos – ou seja, riscos à saúde da população em situação de rua;
A ausência de controle sanitário da prática pode resultar em alimentos com riscos biológicos, químicos e físicos a um grupo populacional já exposto a agravos de saúde.
Entrega de comida continuaria, segundo a prefeitura, mas de forma organizada.
Luiz Costa/SMCS
'Soma de esforços', diz prefeitura
Ao contrário do que foi interpretado, segundo a prefeitura, o projeto apoia a abertura do diálogo e quer somar esforços para ajudar os sem-teto. As propostas do marco regulatório são baseadas em práticas que têm sido adotadas pelo Mesa Solidária, conjunto de ações desenvolvidas pelo município nos últimos anos.
Segundo a prefeitura, com a proposta, as ações se transformariam, pelo projeto de lei, em um programa formal da cidade. Ações que a prefeitura afirma ter mantido principalmente após a chegada da pandemia.
Segundo a Prefeitura de Curitiba, o programa Mesa Solidária, por exemplo, distribuiu mais 284 mil refeições à população carente desde 2019, com a participação de 40 igrejas, grupos e entidades sociais. Desde o começo de 2021 até terça-feira (30), foram 58.829 refeições distribuídas.
Nos três restaurantes populares, com refeições que custam R$ 3, a prefeitura disse que continua atendendo a aproximadamente 780 pessoas por dia. Desde 2017, foram distribuídas mais de 4,6 milhões de refeições.
Restaurantes populares continuam atendendo às pessoas carentes.
Luiz Costa/SMCS
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Fonte: G1