G1
Luíz Carlos Guglieri, de 76 anos, fazia uso de Ivermectina e ignorava as medidas de isolamento social, como conta o seu filho Rodrigo. Ele morreu em março deste ano. Nesta semana, o g1 publica uma série de reportagens com histórias de pessoas que sofreram na pele as consequências do negacionismo e das fake news. Luíz Carlos, de 76 anos, menosprezava a gravidade da Covid-19, acreditava em imunidade de rebanho sem vacinação e medicamentos para tratamento precoce. Por conta disso, quando teve os primeiros sintomas da doença, não quis ir ao hospital. Ele morreu em março deste ano. O seu filho, Rodrigo, diz que o pai foi uma das muitas vítimas das fake news.O g1 publica nesta semana uma série de reportagens com histórias de pessoas que sofreram na pele as consequências do negacionismo e das fake news durante a pandemia.Ele deixou de ir ao hospital por acreditar em tratamento precoce e não levar Covid a sérioVeja o depoimento completo de Rodrigo Guglieri, empreendedor de Porto Alegre:“Eu via meu pai diariamente aqui na empresa. A gente trabalhava junto. [Quando a pandemia começou], a gente começou a ter muito atrito. Eu estava bastante preocupado, até por ele ser uma pessoa mais velha. Ele estava levando a pandemia naquele discurso que foi muito impulsionado pelo governo: que era uma gripe, que não era algo a se preocupar.Ele tinha a expectativa de que todo mundo pegasse logo. Porque, se todo mundo pegasse, a gente passaria por isso mais rápido. Começou a ter um clima muito pesado porque eu cobrava dele o uso de máscara e pra ele não sair. Ele saía. Muitas vezes, era: "Ah, tenho que comprar café". Aí ele não ia em um supermercado, ele ia em vários supermercados, sabe? Eu dizia: "Olha só, a ONU tá dizendo
". E ele: "Mas quem é o presidente da ONU? O presidente da ONU é um comunista".Ele recebia muita coisa pelo WhatsApp. No início, ele compartilhava, até que a gente começou a ter discussões sobre ele não compartilhar as informações [corretas].Ele nunca criou nenhuma informação falsa, mas ele fazia parte daquela cadeia de pessoas que recebiam e compartilhavam essas informações em grupo de amigos.Eu tentava conversar com ele. Até porque eu esperava também da parte dele um pouco mais de racionalidade sobre o tema. Meu pai era biólogo. Ele já tinha trabalhado dentro do meio acadêmico, então eu tentava utilizar isso como um argumento, já que ele era uma pessoa com uma formação. Mas ele tinha uma visão bastante cega em relação a isso.Ele utilizava esses mesmos discursos que são utilizados nas redes sociais: que a ONU era comunista; que os governadores na verdade estavam querendo prejudicar as pessoas, não ajudar; que a pandemia era uma gripe e que os veículos de comunicação estavam exagerando.Luíz Carlos Guglieri, de 76 anos, fazia uso de ivermectina e ignorava as medidas de isolamento social, como conta o seu filho. Ele morreu em março deste ano. ReproduçãoEle usava máscara muito mais por uma obrigação. Eu falava, mas ele não levava muito a sério. Usava quando ia num supermercado, quando era obrigado a usar.Meu pai estava utilizando Ivermectina. A gente discutiu algumas vezes sobre isso. E ele sempre utilizava a desculpa: "Não, eu comprei isso daqui pro cachorro". Mas não era verdade. A gente via as notas, as caixas. Não eram uma nem duas. Ele já estava tomando havia algum tempo.Ele começou a utilizar essa medicação como medida protetiva de Covid, acreditando também nessas informações que circulavam nas redes, que esse remédio seria algo que, se tomasse e se pegasse Covid, não iria evoluir para um caso grave.O meu pai começou a ter sintomas. Ele começou a ter uma tosse. Nesse dia, a gente teve uma discussão. Eu comecei a pressionar para ele fazer exame, que estava uma tosse muito feia. Ele foi contra isso. Mas como ele e minha mãe moravam juntos, ela praticamente obrigou meu pai. Pegou ele pela mão e levou para o hospital. E no hospital foi comprovado que ele estava com Covid. A doença evoluiu muito rápido. Em questão de dias, ele já estava entubado. Eu acredito que ele percebeu a gravidade da doença. Os médicos falaram que, se ele tivesse ido no primeiro sintoma, não teria acontecido o que aconteceu, que foi ele vir a falecer. Foi tudo muito rápido. Não teve tempo de despedida mesmo.Eu não tenho como me culpar. O meu pai ficava saindo de casa, fazendo as coisas. Ele tinha a cabeça muito dura. Eu não me culpo. Esse governo que impulsionou essas mentiras, que produziu essas mentiras, que foi completamente irresponsável na forma como levou a pandemia
Eu acredito mesmo que, uma hora, pessoas serão responsabilizadas por isso.Rodrigo conta que Luíz Carlos recebia e compartilhava mensagens falsas nas redes sociaisReproduçãoAcredito que, o que aconteceu com o meu pai não foi só com o meu pai. Foi com muitas outras famílias de pessoas que caíram dentro dessas mentiras que circulam nas redes sociais, que reproduziram essas ideias, que criaram essas ideias.Não entra na minha cabeça que a gente está chegando a 600 mil mortes e isso simplesmente vai passar. E não vai acontecer nada, sabe? Eu acredito que o meu pai foi mesmo uma vítima [das fake news]. Muitas [pessoas] acreditam nessas notícias falsas. Elas não enxergam consequências. O meu pai foi uma vítima dessas consequências. O meu pai morreu por conta dessas notícias falsas. O meu pai morreu por utilização de remédios não comprovados, que debilitaram a saúde dele. Morreu por conta desse discurso que não levou a pandemia a sério e ele também não levou a pandemia a sério.Tudo que a gente recebe nas redes sociais, a gente tem que conferir. Não acreditar cegamente no que você recebe nas redes sociais, pois tem muita mentira. E essas mentiras geram resultados. Quando passa notícia falsa para uma outra pessoa, você prejudica essa pessoa e a família dela. Essas pessoas que passaram as notícias e esses discursos falsos para o meu pai, elas hoje deveriam refletir que fizeram parte da morte de uma pessoa. Mesmo que de forma indireta, ajudaram a matar uma pessoa e ajudaram a deixar uma família em luto. Eu sinto muita saudade do meu pai. A minha mãe também sente muita saudade. Então se vacinem. Usem máscara. A pandemia ainda não acabou. Todos os dias tem gente morrendo, e todos os dias tem pessoas que, assim como o meu pai, estão sendo vítimas dessas notícias falsas.”